Puseram-se a falar baixo da jornada. Àquela hora onde estaria ele? Já em Évora, num quarto de estalagem, passeando monotonamente sobre um chão de tijolo. Mas voltaria breve; esperava fazer um bom negócio com o Paco, o espanhol das minas de Portel, trazer talvez alguns centos de mil réis, e teriam então a doçura do mês de setembro; poderiam fazer uma jornada ao Norte, ir ao Buçaco, trepar aos altos, beber a água fresca das rochas, sob a espessura úmida das folhagens: irem a Espinho, e pelas praias, sentar-se na areia, no bom ar cheio de azote, vendo o mar unido, dum azul metálico e faiscante, o mar do verão, com algum fumo de paquete que passa para o Sul ao longe muito adelgaçado. Faziam outros planos com os ombros muito chegados: uma felicidade abundante enchia-os deliciosamente. E Jorge disse:

– Se houvesse um pequerrucho, já não ficavas tão só!

Ela suspirou. Também o desejava tanto! Chamar-se-ia Carlos Eduardo. E via-o no seu berço dormindo, ou no colo, nu, agarrando com a mãozinha o dedo do pé, mamando a ponta rosada do seu peito... Um estremecimento dum deleite infinito correu-lhe no corpo. Passou o braço pela cinta de Jorge. Um dia seria, teria um filho decerto! E não compreendia o seu filho homem nem Jorge velho: via-os ambos do mesmo modo: um sempre amante, novo, forte; o outro sempre dependente do seu peito, da maminha, ou gatinhando e palrando, louro e cor-de-rosa. E a vida aparecia-lhe infindável, duma doçura igual, atravessada do mesmo enternecimento amoroso, quente, calma e luminosa como a noite que os cobria.

– A que horas quer a senhora que a venha acordar? – disse a voz seca de Juliana.

Luísa voltou-se:

– Às sete, já lhe disse há pouco, criatura.

Fecharam a janela. Em torno das velas uma borboleta branca esvoaçava. Era bom agouro!

Jorge prendeu-a nos braços.

– Vai ficar sem o seu maridinho, hein? – disse tristemente.

Ela deixou pesar o corpo sobre as mãos dele cruzadas, olhou-o com um longo olhar que se enevoava e escurecia, e, envolvendo-lhe o pescoço com o gesto lento, harmonioso e solene dos braços, pousou-lhe na boca um beijo grave e profundo. Um vago soluço levantou-lhe o peito.

– Jorge! Querido! – murmurou.

III

Havia doze dias que Jorge tinha partido e, apesar do calor e da poeira, Luísa vestia-se para ir à casa de Leopoldina. Se Jorge soubesse, não havia de gostar, não! Mas estava tão farta de estar só! Aborrecia-se tanto! De manhã, ainda tinha os arranjos, a costura, a toilette, algum romance... Mas de tarde!

À hora em que Jorge costumava voltar do Ministério, a solidão parecia alargar-se em torno dela. Fazia-lhe tanta falta o seu toque da campainha, os seus passos no corredor!...

Ao crepúsculo, ao ver cair o dia, entristecia-se sem razão, caía numa vaga sentimentalidade: sentava-se ao piano, e os fados tristes, as cavatinas apaixonadas gemiam instintivamente no teclado, sob os seus dedos preguiçosos, no movimento abandonado dos seus braços moles. O que pensava em tolices então! E à noite, só, na larga cama francesa sem poder dormir com o calor, vinham-lhe de repente terrores, palpites de viuvez.

Não estava acostumada, não podia estar só. Até se lembrara de chamar a tia Patrocínio, uma velha parenta pobre que vivia em Belém: ao menos era alguém: mas receou aborrecer-se mais ao pé da sua longa figura de viúva taciturna, sempre a fazer meia, com enormes óculos de tartaruga sobre um nariz de águia.

Naquela manhã pensara em Leopoldina, toda contente de ir tagarelar, rir, segredar, passar as horas do calor. Penteava-se em colete e saia branca: a camisinha decotada descobria os ombros alvos duma redondeza macia, o colo branco e tenro, azulado de veiazinhas finas; e os seus braços redondinhos, um pouco vermelhos no cotovelo, descobriam por baixo, quando se erguiam prendendo as tranças, fiozinhos louros, frisando e fazendo ninho.

A sua pele conservava ainda o rosado úmido da água fria: havia no quarto um cheiro agudo de vinagre de toilette: os transparentes de linho branco descidos davam uma luz baça, com tons de leite.

Ah! positivamente devia escrever a Jorge, que voltasse depressa! Que o que tinha graça era ir surpreendê-lo a Évora, cair-lhe no Tabaquinho, um dia, às três horas! E quando ele entrasse empoeirado e encalmado, de lunetas azuis, atirar-se-lhe ao pescoço! E à tardinha, pelo braço dele, ainda quebrada da jornada, com um vestido fresco, ir ver a cidade. Pelas ruas estreitas e tristes admiravam-na muito. Os homens vinham às portas das lojas. Quem seria? É de Lisboa. É a do engenheiro. – E diante do toucador, apertando o corpete do vestido, sorria àquelas imaginações e ao seu rosto, no espelho.

A porta do quarto rangeu devagarinho.

– Que é?

A voz de Juliana, plangente, disse:

– A senhora dá licença que eu vá logo ao médico?

– Vá, mas não se demore. Puxe-me essa saia atrás. Mais. O que é que você tem?

– Enjoos, minha senhora, peso no coração. Passei a noite em claro.

Estava mais amarela, o olhar muito pisado, a face envelhecida. Trazia um vestido de merino preto escoado, e a cuia da semana de cabelos velhos.

– Pois sim, vá – disse Luísa.