Uma tempestade de areia no deserto de Petra! Horrível! Mas que linda viagem, as caravanas, os acampamentos! Descreveu a sua toilette – uma manta de pele de camelo às listras vermelhas e pretas, um punhal de Damasco numa cinta de Bagdá, e a lança comprida dos beduínos.

– Devia-te ficar bem!

– Muito bem. Tenho fotografias.

Prometeu dar-lhe uma, e acrescentou:

– Sabes que te trago presentes?

– Trazes? – E os seus olhos brilhavam.

O melhor era um rosário...

– Um rosário?

– Uma relíquia! Foi benzido primeiro pelo patriarca de Jerusalém sobre o túmulo de Cristo, depois pelo Papa...

Ah! Porque tinha estado com o Papa! Um velhinho muito asseado, já todo branquinho, vestido de branco, muito amável!

– Tu dantes não eras muito devota – disse.

– Não, não sou muito caturra nessas coisas – respondeu rindo.

– Lembras-te da capela da nossa casa em Almada?

Tinham passado ali lindas tardes! Ao pé da velha capela morgada havia um adro todo cheio de altas ervas floridas – e as papoulas, quando vinha a aragem, agitavam-se como asas vermelhas de borboletas pousadas...

– E a tília, lembras-te, onde eu fazia ginástica?

– Não falemos no que lá vai!

Em que queria ela então que ele falasse? Era a sua mocidade, o melhor que tivera na vida...

Ela sorriu, perguntou:

– E no Brasil?

Um horror! Até fizera a corte a uma mulata.

– E por que te não casaste?...

Estava a mangar! Uma mulata!

– E de resto – acrescentou com a voz dum arrependimento triste – já que me não casei quando devia – encolheu os ombros melancolicamente – acabou-se... Perdi a vez. Ficarei solteiro.

Luísa fez-se escarlate. Houve um silêncio.

– E qual é o outro presente, então, além do rosário?

– Ah! Luvas. Luvas de verão, de peau de suède, de oito botões. Luvas decentes. Vocês aqui usam umas luvitas de dois botões, a ver-se o punho, um horror!

De resto, pelo que tinha visto, as mulheres em Lisboa cada dia se vestiam pior! Era atroz! Não dizia por ela; até aquele vestido tinha chic, era simples, era honesto. Mas em geral, era um horror. Em Paris! Que deliciosas, que frescas as toilettes daquele verão! Oh! mas em Paris!... Tudo é superior! Por exemplo, desde que chegara ainda não pudera comer. Positivamente não podia comer!

– Só em Paris se come – resumiu.

Luísa voltava entre os dedos o seu medalhão de ouro, preso ao pescoço por uma fita de veludo preto.

– E estiveste então um ano em Paris?

Um ano divino. Tinha um apartamento lindíssimo, que pertencera a lord Falmouth, rue Saint-Florentin, tinha três cavalos...

E recostando-se muito, com as mãos nos bolsos:

– Enfim, fazer este vale de lágrimas o mais confortável possível!... Dize cá, tens algum retrato nesse medalhão?

– O retrato de meu marido.

– Ah! deixa ver!

Luísa abriu o medalhão. Ele debruçou-se; tinha o rosto quase sobre o peito dela. Luísa sentia o aroma fino que vinha de seus cabelos.

– Muito bem, muito bem! – fez Basílio.

Ficaram calados.

– Que calor que está! – disse Luísa. – Abafa-se, hein!

Levantou-se, foi abrir um pouco uma vidraça. O sol deixara a varanda. Uma aragem suave encheu as pregas grossas das bambinelas.

– É o calor do Brasil – disse ele. – Sabes que estás mais crescida?

Luísa estava de pé. O olhar de Basílio corria-lhe as linhas do corpo; e com a voz muito íntima, os cotovelos sobre os joelhos, o rosto erguido para ela:

– Mas, francamente, dize cá, pensaste que eu te viria ver?

– Ora essa! Realmente, se não viesses zangava-me. És o meu único parente... O que tenho pena é que meu marido não esteja...

– Eu – acudiu Basílio – foi justamente por ele não estar...

Luísa fez-se escarlate. Basílio emendou logo, um pouco corado também:

– Quero dizer... talvez ele saiba que houve entre nós...

Ela interrompeu:

– Tolices! Éramos duas crianças. Onde isso vai!

– Eu tinha vinte e sete anos observou ele, curvando-se.

Ficaram calados, um pouco embaraçados. Basílio cofiava o bigode, olhando vagamente em redor.

– Estás muito bem instalada aqui – disse.

Não estava mal... A casa era pequena, mas muito cômoda. Pertencia-lhes.

– Ah! estás perfeitamente! Quem é esta senhora, com uma luneta de ouro?

E indicava o retrato por cima do sofá.

– A mãe de meu marido.

– Ah! vive ainda?

– Morreu.

– É o que uma sogra pode fazer de mais amável...

Bocejou ligeiramente, fitou um momento os seus sapatos muito aguçados, e com um movimento brusco, ergueu-se, tomou o chapéu.

– Já? Onde estás?

– No Hotel Central.

– E até quando?

– Até quando quiseres.

– Não disseste que vinhas amanhã com o rosário?

Ele tomou-lhe a mão, curvou-se:

– Já se não pode dar um beijo na mão duma velha prima?

– Por que não?

Pousou-lhe um beijo na mão, muito longo, com uma pressão doce.

– Adeus! – disse.

E à porta, com o reposteiro meio erguido, voltando-se:

– Sabes que eu, ao subir as escadas, vinha a perguntar a mim mesmo, como se vai isto passar?

– Isto quê? Vermo-nos outra vez? Mas, perfeitamente. Que imaginaste tu?

Ele hesitou, sorriu:

– Imaginei que não eras tão boa rapariga.