Era vesgo, mandou-lhe uns versos, Ao lírio de belas:

Sobre a encosta da colina

Cresce o lírio virginal...

Foi um tempo muito alegre, cheio de consolações.

Quando voltaram no inverno tinha engordado, trazia boas cores. E um dia, tendo achado numa gaveta uma fotografia que logo ao princípio Basílio lhe mandara da Bahia, de calça branca e chapéu panamá, fitou-a, encolhendo os ombros:

– E o que eu me ralei por esta figura! Que tola!

Tinham passado três anos quando conheceu Jorge. Ao princípio não lhe agradou. Não gostava dos homens barbados: depois percebeu que era a primeira barba, fina, rente, muito macia decerto; começou a admirar os seus olhos, a sua frescura. E sem o amar, sentia ao pé dele como uma fraqueza, uma dependência e uma quebreira, uma vontade de adormecer encostada ao seu ombro, e de ficar assim muitos anos, confortável, sem receio de nada. Que sensação quando ele lhe disse: Vamos casar, hein! Viu de repente o rosto barbado, com os olhos muito luzidios, sobre o mesmo travesseiro, ao pé do seu! Fez-se escarlate. Jorge tinha-lhe tomado a mão: ela sentia o calor daquela palma larga penetrá-la, tomar posse dela: disse que sim, ficou como idiota, e sentia debaixo do vestido de merino dilatarem-se docemente os seus seios. Estava noiva, enfim! Que alegria, que descanso para a mamã!

Casaram às oito horas, numa manhã de nevoeiro. Foi necessário acender luz para lhe pôr a coroa e o véu de tule. Todo aquele dia lhe aparecia como enevoado, sem contornos, à maneira dum sonho antigo – onde destacava a cara balofa e amarelada do padre, e a figura medonha duma velha, que estendia a mão adunca, com uma sofreguidão colérica, empurrando, rogando pragas, quando, à porta da igreja, Jorge comovido distribuía patacos. Os sapatos de cetim apertavam-na. Sentira-se enjoada da madrugada, fora necessário fazer-lhe chá verde muito forte. E tão cansada à noite naquela casa nova, depois de desfazer os seus baús! – Quando Jorge apagou a vela, com um sopro trêmulo, SS luminosos faiscavam, corriam-lhe diante dos olhos.

Mas era o seu marido, era novo, era forte, era alegre: pôs-se a adorá-lo. Tinha uma curiosidade constante da sua pessoa e das suas coisas, mexia-lhe no cabelo, na roupa, nas pistolas, nos papéis. Olhava muito para os maridos das outras, comparava, tinha orgulho nele. Jorge envolvia-a em delicadezas de amante, ajoelhava-se aos seus pés, era muito dengueiro. E sempre de bom humor, com muita graça: mas nas coisas da sua profissão ou do seu brio tinha severidades exageradas, e punha então nas palavras, nos modos uma solenidade carrancuda. Uma amiga dela romanesca, que via em tudo dramas, tinha-lhe dito: É homem para te dar uma punhalada. Ela que não conhecia ainda então o temperamento plácido de Jorge acreditou, e isso mesmo criou uma exaltação no seu amor por ele. Era o seu tudo – a sua força, o seu fim, o seu destino, a sua religião, o seu homem! – Pôs-se a pensar o que teria sucedido se tivesse casado com o primo Basílio. Que desgraça, hein! Onde estaria? Perdia-se em suposições doutros destinos, que se desenrolavam, como panos de teatro: via-se no Brasil, entre coqueiros, embalada numa rede, cercada de negrinhos, vendo voar papagaios!

– Está ali a senhora dona Leopoldina – veio dizer Juliana.

Luísa ergueu-se surpreendida.

– Hein? A senhora dona Leopoldina? Para que mandou entrar?

Pôs-se a abotoar à pressa o roupão. Jesus! Olha se Jorge soubesse! Ele que lhe tinha dito tantas vezes “que a não queria em casa”! Mas se já estava na sala, agora, coitada!

– Está bom, diga-lhe que já vou.

Era a sua íntima amiga. Tinham sido vizinhas, em solteiras, na rua da Madalena, e estudado no mesmo colégio, à Patriarcal, na Rita Pessoa, a coxa. Leopoldina era a filha única do Visconde de Quebrais, o devasso, o caquético, que fora pajem de Dom Miguel. Tinha feito um casamento infeliz com um João Noronha, empregado da alfândega. Chamavam-lhe a “Quebrais”; chamavam-lhe também a “Pão e queijo”.

Sabia-se que tinha amantes, dizia-se que tinha vícios. Jorge odiava-a. E dissera muitas vezes a Luísa: Tudo, menos a Leopoldina!

Leopoldina tinha então vinte e sete anos. Não era alta, mas passava por ser a mulher mais benfeita de Lisboa. Usava sempre os vestidos muitos colados, com uma justeza que acusava, modelava o corpo como uma pelica, sem largueza de roda, apanhados atrás.