"Sou tão destemido à noite quanto um almirante!"
A essa altura o fogo começava a se extinguir, já que o combustível não era do tipo substancial que consegue manter as chamas por muito tempo. A maioria das outras fogueiras no horizonte também começava a esmorecer. A observação atenta de seu brilho, cor e duração teria revelado a qualidade do material queimado, e, assim, até certo grau, a produção natural de cada distrito em que as fogueiras se situavam. O esplendor majestoso e límpido que havia caracterizado a maioria delas expressava uma região de charneca e tojo como elas mesmas, que se estendia em uma direção por milhas infinitas; as rápidas chamas e extinções em outros pontos cardeais mostravam o combustível mais leve – palha, caules de pés de feijão e o resíduo usual de terras aráveis. As mais duradouras de todas – olhos firmes e inalterados que pareciam planetas – significavam madeira, como ramos de castanheiras, feixes de espinheiros e lenha robusta. Fogueiras feitas desses últimos materiais eram raras, e, embora comparativamente pequenas em tamanho ao lado das chamas efêmeras, agora se mostravam melhores pela mera duração prolongada. As grandes haviam apagado, mas essas continuavam. Elas ocupavam as posições mais remotas visíveis – montes com o céu ao fundo que se erguiam em ricos distritos cheios de bosques e plantações ao norte, onde o solo era diferente, e a charneca estranha e exótica.
Exceto uma; e essa era a mais próxima de todas, a lua de todo o sistema planetário brilhante. Ficava na direção exatamente oposta àquela da pequena janela no vale abaixo. Sua proximidade era tal que, apesar do pequeno tamanho, seu brilho transcendia infinitamente o das demais.
Esse olho silencioso havia chamado a atenção de tempos em tempos; e quando as chamas das outras fogueiras começaram a se extinguir e a esmorecer, ela chamara ainda mais; até mesmo as fogueiras de lenha acesas mais recentemente tinham chegado ao fim, enquanto nenhuma mudança era perceptível naquela outra.
"Sem dúvida, aquela fogueira está bem perto!", exclamou Fairway. "Aparentemente. Posso ver uma pessoa andando ao redor dela. Com certeza é uma fogueira pequena e boa."
"Consigo atirar uma pedra lá”, falou o menino.
"Eu também!", disse Vovô Cantle.
"Não, não, não podem, meus filhos. Aquela fogueira não está a menos de uma milha de distância, embora pareça tão próxima."
"Está na charneca, mas não é de tojo", comentou o cortador de turfa.
"É de lenha cortada, isso sim”, explicou Timothy Fairway. "Nada queimaria tanto, exceto madeira limpa. E está no morro em frente à casa do velho capitão em Mistover. Que homem esquisito ele é! Fazer uma pequena fogueira em sua propriedade, sem que ninguém possa se aproximar e aproveitar! E que doido aquele velho deve ser, para acender uma fogueira onde não há nenhum jovem para apreciá-la."
"Capitão Vye deu um longo passeio hoje, e está exausto", disse Vovô Cantle, "então não acho que seja ele."
"E ele dificilmente teria condições de gastar um combustível bom daqueles", falou a mulher corpulenta.
"Então deve ser sua neta", disse Fairway. "Não que alguém com a idade dela tenha muito interesse em uma fogueira."
"Ela tem modos muito estranhos, vive lá em cima sozinha e coisas desse tipo a agradam", disse Susan.
"Ela é uma moça bastante atraente”, comentou Humphrey, o cortador de tojo, “principalmente quando usa seus vestidos de primavera."
"Isso é verdade”, concordou Fairway. "Bem, que sua fogueira queime à vontade. A nossa parece que está se apagando."
"Como está escuro agora que o fogo diminuiu!", disse Christian Cantle, olhando para trás com seus olhos de lebre. “Não acham que seria melhor irmos para casa, amigos? A charneca não é assombrada, eu sei; mas seria melhor irmos embora… ah, o que foi isso?"
"É só o vento”, respondeu o cortador de turfa.
"Não acho que Cinco de Novembro [9] deveria ser celebrado à noite, exceto nas cidades. A comemoração deveria ocorrer durante o dia em lugares remotos e esquecidos como este!"
"Bobagem, Christian. Seja homem! Susy, querida, você e eu vamos dançar – hein, docinho? – antes que fique escuro demais para ver como você ainda é bonita, apesar de terem se passado tantos verões desde que seu marido, aquele safado, a roubou de mim."
A fala era dirigida a Susan Nunsuch; e o momento seguinte de que se lembravam os presentes era a visão da robusta figura da matrona indo rapidamente para o lugar onde a fogueira havia sido acesa. O Sr. Fairway a ergueu completamente com o braço passado ao redor da cintura dela, antes que a mulher pudesse perceber sua intenção. O lugar da fogueira agora se resumia a um simples círculo de cinzas salpicado de faíscas e brasas vermelhas, com o tojo totalmente queimado. Depois de entrarem no círculo, ele a girou e girou em uma dança. Era uma mulher espalhafatosa; além de sua armação de vestido feita com ripas e ossos de baleia, ela usava chapins [10] no inverno e no verão, com tempo úmido ou seco, para preservar as botas do desgaste; e quando Fairway começou a saltar com ela, o barulho dos chapins, o rangido do espartilho e seus gritos de surpresa formavam uma sinfonia bem audível.
"Vou partir seu crânio, seu sem-vergonha!", exclamou a Sra. Nunsuch, enquanto dançava com ele, impotente, batendo os pés como se fossem baquetas entre as faíscas. “Meus tornozelos já estavam ardendo antes, de andar entre o tojo espinhento, e agora você está piorando a condição deles com essas faíscas!"
A excentricidade de Timothy Fairway era contagiosa.
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