Tinha um aspecto solitário, sugerindo trágicas possibilidades.

Essa região obscura, obsoleta e ultrapassada figura no Domesday. [1] Sua condição é registrada em tal livro como pantanosa, selvagem, coberta de tojos e espinhos – “Bruaria”. Em seguida, sua largura e comprimento são definidos em léguas e, embora haja certa incerteza sobre a extensão exata dessa medição linear antiga, parece que a área de Egdon até os dias atuais diminuiu pouco. "Turbaria Bruaria" – o direito de colher turfa da charneca – é o termo usado nos registros referentes ao distrito. “Coberto de charco e musgo”, diz Leland sobre essa mesma porção do país.

Pelo menos eram esses os fatos inteligíveis sobre a paisagem – provas evidentes que produziam genuína satisfação. Egdon sempre fora tão indomável e ismaelita quanto agora. A civilização era sua inimiga, e desde o início da vegetação seu solo usava a mesma veste marrom antiquada, a vestimenta natural e imutável de constituição peculiar. Seu manto único e venerável guardava uma veia satírica que ridicularizava a vaidade humana com relação às roupas. Uma pessoa na charneca usando trajes modernos e coloridos tem uma aparência mais ou menos anômala. Parece que as roupas humanas mais simples e mais antigas são necessárias no local onde o solo se veste de forma tão primitiva.

Recostar-se no toco de um espinheiro no vale central de Egdon, entre a tarde e a noite, como agora, onde os olhos não enxergam nada do mundo exterior além dos cumes e encostas da charneca que ocupam todo o campo de visão, e saber que tudo ao redor e abaixo é de um tempo pré-histórico, tão imutável quanto as estrelas no firmamento, serve de lastro para a mente que vaga sem rumo diante das mudanças, fustigada pelo irreprimível Novo. O grande lugar inviolável tinha uma imutabilidade arcaica que nem mesmo o mar podia reivindicar. Quem pode dizer de determinado mar que é velho? Evaporado pelo sol, agitado pela lua, o mar se modifica a cada ano, a cada dia ou a cada hora. O mar mudou, os campos mudaram, os rios, os vilarejos e as pessoas mudaram, mas Egdon continuou igual. Aquelas superfícies não eram nem íngremes demais para serem destruídas pelo clima, nem planas o bastante para serem vítimas de inundações e depósitos. Com exceção de uma estrada antiga, e de um túmulo mais antigo ainda que serve de referência – eles mesmos quase cristalizados como produtos naturais devido à sua longa existência –, até mesmo as menores irregularidades não foram causadas por picaretas, arados ou pás, mas permaneciam como se tocadas pela última vez pelos dedos da última mudança geológica.

A estrada acima mencionada cruzava as terras baixas da charneca, de um lado ao outro. Em várias partes de seu curso, unia-se a uma antiga via vicinal que era uma ramificação da grande estrada ocidental dos romanos, a Via Iceniana, ou Ikenild Street, não muito distante. No entardecer em questão, seria possível notar que, embora a escuridão tivesse aumentado ao ponto de borrar os pequenos detalhes da charneca, a superfície branca da estrada permanecia mais clara do que nunca.

CAPÍTULO 2

A Humanidade Entra em Cena de Mãos Dadas com o Problema

Pela estrada caminhava um velho. Ele tinha os cabelos brancos como uma montanha nevada, os ombros caídos e, no geral, uma aparência desbotada. Ele usava um chapéu lustroso, uma antiga capa da marinha e sapatos; os botões de metal tinham uma âncora estampada. Na mão, o homem levava uma bengala com cabo de prata, que usava como uma terceira perna verdadeira, cutucando o solo insistentemente com sua ponta em intervalos de algumas polegadas. Podia-se dizer que ele fora, em tempos idos, um oficial da marinha ou de algum outro tipo.

Diante dele se estendia a longa e árdua estrada, seca, vazia e branca. Abria-se para a charneca pelos dois lados e cortava a vasta superfície escura como se fosse uma linha que reparte cabelos negros em uma cabeça, diminuindo e desaparecendo em uma curva mais à frente no horizonte.

O velho frequentemente apertava os olhos para observar o trajeto que ainda precisava percorrer. Enfim enxergou, a uma longa distância de si, algo que parecia ser um veículo se movendo, e que definitivamente estava indo na mesma direção que ele. Era o único sinal de vida naquele cenário, e servia apenas para tornar a solidão geral mais evidente. O objeto avançava com lentidão, e o velho diminuiu consideravelmente a distância entre eles.

Quando se aproximou, percebeu que era uma carroça, de formato comum, mas de cor singular: um vermelho vivo. O condutor caminhava ao lado do veículo e, assim como este, era completamente vermelho. A tintura cobria suas roupas, seu chapéu, suas botas, seu rosto e suas mãos. Ele não estava temporariamente coberto pela cor: estava impregnado dela.

O velho sabia o significado disso. O viajante com a carroça era um vendedor de almagre, [2] uma pessoa cuja função é fornecer aos fazendeiros almagre para as ovelhas. Ele fazia parte de uma categoria que desaparecia rapidamente em Wessex, ocupando naquele momento um lugar no mundo rural que o pássaro Dodô ocupara no reino animal no século anterior. Era um elo curioso, interessante e quase perdido entre as formas obsoletas de vida e aquelas que geralmente prevalecem.

O oficial decadente, aos poucos, aproximou-se do viajante e lhe deu boa noite.