O vendedor de almagre virou a cabeça e respondeu em um tom triste e ocupado. Ele era jovem, e seu rosto, se não era exatamente bonito, aproximava-se tanto do belo que ninguém teria contestado a afirmação de que realmente era de natureza bela em sua cor natural. Seus olhos, que brilhavam estranhamente através da tintura, eram atraentes – tão penetrantes quanto os de uma ave de rapina, de um azul da cor da névoa outonal. Ele não tinha costeletas nem bigode, o que deixava aparente as curvas suaves da parte inferior do rosto. Seus lábios eram finos e, embora parecessem comprimidos pela reflexão, seus cantos repuxavam de forma agradável de tempos em tempos. Usava um terno bem-ajustado de veludo cotelê, de excelente qualidade, não muito gasto e bem escolhido para seu propósito, mas já sem a cor original devido ao trabalho do rapaz. Parecia favorecer sua bonita silhueta. Certo ar de grã-fino sugeria que o jovem não era de classe baixa. A pergunta natural de um observador seria ‘Por que alguém tão promissor como ele ocultaria sua bela figura assumindo uma ocupação tão peculiar?’
Depois de responder ao cumprimento do velho, ele não demonstrou intenção de continuar conversando, embora ainda caminhassem lado a lado, já que o idoso viajante parecia querer companhia. Não havia outro som além do vento estrondoso sobre a pastagem amarelada ao redor de ambos, das rodas rangentes, dos passos dos homens e das patas dos dois pôneis peludos que batiam no chão ao puxar a carroça. Eram animais pequenos e resistentes, de uma raça mista de Galloway e Exmoor, e eram conhecidos na região como “pôneis da charneca”.
Enquanto seguiam seu caminho, o vendedor de almagre às vezes saía do lado do companheiro e, andando atrás da carroça, espiava seu interior através de uma janelinha. Parecia constantemente ansioso. Então voltava para o lado do velho, e este fazia outra observação sobre a situação da região e assim por diante, à qual o rapaz tornava a responder distraidamente e, a seguir, voltavam a ficar calados. O silêncio não era de modo algum incômodo; nessas localidades isoladas, os viajantes, após um cumprimento, normalmente seguiam milhas sem dizer mais nada; a proximidade ali equivalia a uma conversa tácita que, ao contrário do que acontece nas cidades, podia ser encerrada devido à simples vontade, isso quando não encerrava a própria comunicação.
Provavelmente os dois viajantes não teriam dialogado novamente antes de se separarem, se não fosse pelas espiadas do vendedor de almagre para dentro da carroça. Quando ele voltou para o lado do companheiro depois de ir até a parte traseira do veículo pela quinta vez, o velho perguntou: “Há algo lá atrás além de sua carga?”
“Sim.”
“Alguém que precisa de cuidados?”
“Sim.”
Pouco depois disso, ouviu-se um choro débil vindo de dentro da carroça. O vendedor de almagre correu para a parte traseira do veículo, espiou e então voltou para frente outra vez.
“Há uma criança lá, meu rapaz?”
“Não, senhor. É uma mulher.”
“Não me diga! Por que ela estava chorando?”
“Oh, ela adormeceu, mas, como não está acostumada a viajar, está agitada e não para de sonhar.”
“Ela é jovem?”
“Sim, é jovem.”
“Isso me interessaria quarenta anos atrás. É sua esposa?”
“Minha esposa!”, exclamou o outro, amargamente. “Ela está num nível muito superior para se casar com alguém como eu. Mas não há razão para falar sobre isso com o senhor.”
“Verdade. Assim como não há razão para não falar. Que mal posso fazer a você ou a ela?”
O vendedor de almagre olhou para o rosto do velho. “Bem, senhor”, ele disse, por fim, “eu a conheço faz tempo, embora fosse melhor que não a tivesse conhecido. Mas ela não é nada minha, e eu não sou nada dela. E ela não estaria na minha carroça se lá houvesse um veículo melhor para levá-la.”
“Lá onde, posso saber?”
“Anglebury.”
“Conheço bem a cidade. O que ela estava fazendo lá?”
“Oh, nada de mais – nada que valha a pena mencionar. No entanto, ela está morta de cansaço e nem um pouco bem, e é isso que a deixa tão agitada. Está dormindo há quase uma hora, e isso será bom para ela.”
“Uma moça bonita, estou certo?”
“Pode-se dizer que sim.”
O outro viajante voltou os olhos com interesse para a janela da carroça e, sem desviá-los, disse: “Suponho que eu poderia dar uma olhada nela, não?”
“Não”, disse o vendedor de almagre, abruptamente. “Está ficando escuro demais para o senhor enxergá-la e, além disso, não tenho o direito de deixá-lo espiar. Graças a Deus ela está dormindo tranquilamente, e espero que não acorde até estar em casa."
“Quem é ela? É da vizinhança?”
“Desculpe-me, mas não importa quem ela é.”
“Não é aquela moça de Blooms-End, de quem estão falando ultimamente? Se for, eu a conheço; e posso imaginar o que aconteceu.”
“Isso não tem importância… agora, senhor, sinto lhe dizer que logo nos separaremos.
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