Era encantador ter escapado de tudo aquilo! Enquanto pensava na tia, uma ideia pareceu ocorrer-lhe. Virou-se para Hallward, e disse: “Meu caro amigo, acabo de me lembrar.”

“Lembrar-se de quê, Harry?”

“De onde ouvi o nome de Dorian Gray.”

“Onde foi?” perguntou Hallward, franzindo de leve o cenho.

“Não se mostre tão zangado, Basil. Foi na casa de minha tia, lady Agatha. Ela me contou que havia descoberto um jovem maravilhoso que iria ajudá-la em East End, e que seu nome era Dorian Gray. Sou obrigado a declarar que ela nunca me contou que ele era bonito. As mulheres não apreciam nem um pouco a boa aparência. Ao menos as boas mulheres. Ela disse que ele era muito sério, e que tinha uma bela natureza. De imediato imaginei uma criatura de óculos e cabelo escorrido, horrivelmente sardento, marchando sobre pés enormes. Quem dera soubesse que era seu amigo.”

“Fico muito contente que não tenha sabido, Harry.”

“Por quê?”

“Não quero que você o conheça.”

“Mr. Dorian Gray está no estúdio, meu senhor”, disse o mordomo, surgindo no jardim.

“Você tem que me apresentá-lo agora”, exclamou lorde Henry, rindo.

Basil Hallward voltou-se para o criado, que estava parado piscando à luz do sol. “Peça a Mr. Gray que espere, Parker, entrarei em alguns instantes.” O homem fez uma reverência e subiu pelo passeio.

Então olhou para lorde Henry. “Dorian Gray é um amigo muito querido”, disse. “Ele tem uma natureza simples e bela. Sua tia tinha toda razão no que disse sobre ele. Não o estrague. Não tente influenciá-lo. Sua influência seria ruim. O mundo é grande, e tem muita gente maravilhosa nele. Não tire de mim a única pessoa que torna minha vida absolutamente adorável, e que dá à minha arte o mistério ou encanto que ela tem, seja qual for. Lembre-se, Harry, confio em você.” Ele falou muito devagar, e as palavras pareciam arrancadas dele quase contra a sua vontade.

“Quanta tolice você fala!” disse lorde Henry, sorrindo, e tomando Hallward pelo braço quase o conduziu para dentro da casa.

[1] A decoração é baseada no estúdio do pintor e designer Charles Ricketts (1866-1931) que viria a desenhar a página de título e a arte de capa da edição de 1891 d’O Retrato de Dorian Gray, além das ilustrações de A Casa das Romãs. Ricketts, membro do círculo íntimo de Wilde, tem sido citado por especialistas como sendo a inspiração para o pintor Basil Hallward.

[2] A menção de um espinheiro-rosa prenuncia um dos temas principais da obra: a justaposição da inocência e da corrupção, representado pela tonalidade rosa e pelos espinhos, respectivamente.

[3] Um artifício chave na história é a experimentação com o paradoxo que extrai certas respostas dos leitores. Esta imagem é um exemplo disso e define o tom para o resto da narrativa. Em termos ideológicos, lorde Henry é uma espécie de figura superficial e hedonista, mas, na prática, vive uma vida bastante normal e ordenada. Ao imaginá-lo no contexto dos tecidos persas ricamente coloridos e dos belos codessos-dos-alpes, é difícil crer em uma personalidade tão sórdida.

[4] A famosa Galeria Grosvenor de Londres foi fundada por Sir Coutts Lindsay e sua esposa, lady Blanche, para servir como alternativa à Academia Real.