Sua influência seria má. O mundo é enorme e há muitas pessoas maravilhosas nele. Não me tire a única pessoa que torna a vida absolutamente agradável para mim e que dá à minha arte qualquer maravilha ou encanto que ela possui. Veja, Harry, que confio em você.” Ele falava muito lentamente e as palavras pareciam extraídas de si quase contra sua vontade.
“Quantas besteiras você fala!”, disse Lorde Henry, sorrindo e pegando Hallward pelo braço, quase o conduzindo até a casa.
[1] Uma das únicas quatro instituições acadêmicas que formam barristers (advogados que dividem uma causa com os solicitors, que têm contato com o cliente, enquanto os barristers fazem a defesa do cliente na corte). Localizada em Londres, foi formada após a dissolução da Ordem dos Templários no Reino Unido, em 1312, e existe até hoje.
[2] Os estudantes de advocacia em Middle Temple são obrigados a jantar na instituição pelo menos doze vezes. Após a refeição, seguem-se debates e palestras.
[3] No original, “Stars and Garters”. A expressão refere-se a dois elementos: primeiro, a constatação de que a maior parte das medalhas da cavalaria britânica tinha o formato de uma estrela; depois, à Order of the Garter, criada por Eduardo III em 1344 como a mais alta condecoração da cavalaria britânica. Por meio da literatura, utilizada por Pope, Shakespeare e Dickens, entre outros, a expressão ganhou forma de dito popular, como a versão norte-americana “Oh, my stars and garters!”.
[4] O verso “A Dream of Form in Days of Thought” é do poema “To a Greek Girl”, do inglês Austin Henry Dobson (1840-1921).
CAPÍTULO 2
Viram Dorian Gray assim que entraram. Ele estava sentado ao piano, de costas para eles, folheando um volume das “Kinderscenen”, de Schumann[1]. “Você tem de me emprestá-las, Basil”, ele exclamou. “Tenho de aprendê-las. São perfeitamente encantadoras”.
“Isso depende inteiramente de como você posar hoje, Dorian”.
“Oh, estou cansado de posar e não quero um retrato meu de tamanho natural”, respondeu o rapazote, balançando sobre o banco do piano, de modo determinado e petulante. Quando ele se apercebeu de lorde Henry, um leve rubor pintou seu rosto por um momento e ele se levantou. “Desculpe-me, Basil, mas não sabia que havia alguém com você”.
“Este é lorde Henry Wotton, Dorian, um velho amigo meu de Oxford. Estava justamente lhe contando que você era um modelo importante, mas agora você estragou tudo”.
“Você não estragou meu prazer em conhecê-lo, senhor Gray”, disse lorde Henry, adiantando-se e apertando-lhe sua mão. “Minha tia frequentemente fala de você para mim. Você é um dos prediletos dela e, temo eu, uma de suas vítimas também”.
“Estou na lista negra de Lady Agatha no momento”, respondeu Dorian, com um olhar divertido de penitência. “Prometi acompanhá-la ao clube dela, em Whitechapel na última terça-feira e realmente me esqueci completamente disso. Deveríamos tocar um dueto juntos – três duetos, acho. Não sei o que ela dirá de mim. Estou muito amedrontado para visitá-la”.
“Oh, eu o reconciliarei com minha tia. Ela é muito devotada a você. E não acredito que importava muito você não estar lá. O público provavelmente pensou que era um dueto. Quando tia Agatha senta-se ao piano, ela faz barulho suficiente por duas pessoas”.
“Isso é péssimo para ela e não é muito bom para mim”, respondeu Dorian, rindo.
Lorde Henry olhou para ele. Sim, de fato ele era maravilhosamente bonito, com seus lábios escarlates finamente encurvados, seus olhos azuis diretos e seu cabelo dourado e revolto. Havia algo em seu rosto que fazia alguém confiar nele imediatamente. Toda a candura da juventude estava ali, assim como toda a jovem pureza apaixonada. Podia-se sentir que ele se mantivera intacto pelo mundo. Não era de surpreender que Basil Hallward o venerasse.
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