O pecado é o único elemento colorido que resta na vida moderna”.

“Você realmente não deveria dizer tais coisas diante de Dorian, Harry”.

“Diante de qual Dorian? Este que nos serve o chá ou aquele em seu retrato?”

“Ambos”.

“Eu gostaria de ir ao teatro com você, lorde Henry”, disse o rapaz.

“Então venha; e você irá também, Basil, não é?”

“Não posso, realmente. Prefiro não ir. Tenho muito trabalho a fazer”.

“Bem, então, iremos apenas nós dois, senhor Gray”.

“Gostaria muito”.

Basil Hallward mordeu o lábio e se afastou, de xícara na mão, para o retrato. “Ficarei com o verdadeiro Dorian”, ele disse, com tristeza.

“Este é o verdadeiro Dorian?”, perguntou o original do retrato, correndo até ele. “Sou realmente como ele?”

“Sim; você é exatamente como ele”.

“Que maravilha, Basil!”

“Pelo menos você é como ele na aparência. Mas ele nunca mudará”, disse Hallward. “Já é alguma coisa”.

“Que estardalhaço as pessoas fazem sobre a fidelidade!”, murmurou lorde Henry. E, no fim das contas, é puramente uma questão para a fisiologia. Não tem nada a ver com a nossa própria vontade. É tanto uma coincidência desafortunada quanto um resultado desagradável do temperamento. Os jovens querem ser fieis e não o são; os velhos querem perder a fé, mas não o podem; isso é tudo o que se pode dizer”.

“Não vá ao teatro esta noite, Dorian”, aconselhou Hallward. “Fique e jante comigo”.

“Não posso, realmente”.

“Por quê?”

“Porque prometi a lorde Henry acompanhá-lo”.

“Ele não vai gostar mais de você por você manter suas promessas. Ele sempre quebra as dele. Imploro que não vá”.

Dorian Gray riu e balançou a cabeça.

“Eu lhe rogo”.

O garoto hesitou e olhou para lorde Henry, que os observava da mesa de chá com um sorriso divertido.

“Devo ir, Basil”, ele murmurou.

“Muito bem”, disse Hallward; e ele caminhou até deixar sua xícara sobre a bandeja. “Já está tarde e como vocês devem se vestir, é melhor que não percam tempo. Adeus, Harry; adeus, Dorian. Venham me visitar logo. Venham amanhã”.

“Certamente”.

“Você não esquecerá?”

“Não, claro que não”.

“E... Harry!”

“Sim, Basil”.

“Lembre-se do que lhe pedi no jardim esta manhã”.

“Eu já esqueci”.

“Eu confio em você”.

“Eu gostaria de confiar em mim mesmo”, disse lorde Henry, rindo. “Vamos, Senhor Gray, minha trole está lá fora e posso deixá-lo em casa. Adeus, Basil. Foi uma tarde muito interessante.”

Assim que a porta se fechou atrás deles, Hallward jogou-se em um sofá e um olhar de dor assomou sua face.



[1] “Cenas das Florestas”, obra para piano solo de Robert Alexander Schumann, composta em 1838.

[2] Eton College, fundado por Henrique IV em 1440, é um colégio apenas para garotos e localiza-se no mesmo local até os dias de hoje, nas proximidades do Castelo de Windsor, tendo formado dezoito primeiros-ministros britânicos e inúmeros membros da nobreza, além dos herdeiros da casa real inglesa.

CAPÍTULO 3

Uma tarde, um mês depois, Dorian Gray estava se reclinando em uma luxuosa poltrona na pequena biblioteca da casa de lorde Henry em Curzon Street. Era, a seu modo, uma sala bem encantadora, com seu alto lambril almofadado, de carvalho manchado de oliva, seu friso cor de creme, o teto de elevado trabalho em gesso, e seu carpete de veludo cor de tijolo alternado com tapetes persas de seda e longas franjas. Em uma pequena mesa de cetim, havia uma estatueta de Clodion[1] e ao seu lado estava uma cópia de “Les Cent Nouvelles”[2], compilado para Margaret de Valois por Clovis Eve, polvilhado com margaridas douradas que a rainha selecionou para seu livro. Alguns grandes jarros chineses, cheios de tulipas cor de cenoura, estavam espalhados pelo consolo da lareira, e através das pequenas vidraças chumbadas, jorrava a luz cor de damasco de um dia de verão em Londres.

Lorde Henry ainda não chegara. Ele sempre se atrasava a princípio, seu principio sendo que a pontualidade é o ladrão do tempo. Assim que o rapazote parecia bem irritado, enquanto que com dedos indiferentes ele folheava as páginas de uma edição de “Manon Lescaut”[3] que ele encontrara em uma das estantes. O tique formal e monótono de um relógio Luis XIV o perturbava. Ele considerou ir embora uma ou duas vezes.

Por fim, ele ouviu leves passos ao lado de fora e a porta se abriu. “Como você está atrasado, Harry!”, ele murmurou.

“Temo não ser Harry, senhor Gray”, disse a voz de uma mulher.

Ele relanceou rapidamente ao seu redor e se levantou.