Você sabe que nós, pobres pintores, temos de nos mostrar à sociedade de vez em quando, apenas para relembrar ao público que não somos selvagens. Com um paletó de noite e uma gravata branca, como você me disse uma vez, qualquer um, até um corretor de valores, pode ganhar reputação de ser civilizado. Bem, depois de estar na sala por dez minutos, conversando com enormes e pomposas matronas e tediosos acadêmicos, repentinamente percebi que alguém estava olhando para mim. Dei meia-volta e vi Dorian Gray pela primeira vez. Quando os nossos olhos se encontraram, senti que perdia a cor de meu rosto. Um instinto curioso de terror se apoderou de mim. Soube que estava face a face com alguém cuja mera personalidade era tão fascinante que, se eu permitisse, absorveria toda a minha essência, minha alma inteira, minha própria arte. Eu não queria nenhuma influência externa em minha vida. Você mesmo sabe, Harry, quão independente sou por natureza. Meu pai destinou-me para o exército. Insisti em ir para Oxford. Então, ele fez com que eu me inscrevesse em Middle Temple[1]. Antes de ter aproveitado metade dos doze jantares[2], larguei a advocacia e anunciei minha intenção de me tornar um pintor. Sempre fui meu próprio mestre; e teria sido assim, pelo menos, até encontrar Dorian Gray. Então... Mas não sei como lhe explicar isso. Algo pareceu me dizer que eu estava à beira de uma terrível crise em minha vida. Eu tinha uma estranho sensação de que o Destino tinha guardado para mim intensas alegrias e intensas mágoas. Eu sabia que se conversasse com Dorian tornaria-me absolutamente devotado a ele e, deste modo, não deveria falar com ele. O medo crescia em mim e me virei para deixar a sala. Não foi a consciência que me impeliu a agir assim: foi a covardia. Não atribuo nenhum crédito a mim mesmo por tentar escapar”.

“Consciência e covardia são, de fato, as mesmas coisas, Basil. Consciência é o nome fantasia da companhia. Isso é tudo”.

“Não acredito nisso, Harry. Porém, seja qual for meu motivo – e poderia ser orgulho, pois eu costumava ser muito orgulhoso – certamente corri para a porta. Lá, claro, tropecei em lady Brandon. ‘Você não vai fugir assim tão cedo, senhor Hallward’, ela exclamou. Você conhece a voz estridente e horrenda dela?”

“Sim; ela é um pavão em tudo, menos na beleza”, disse lorde Henry, despedaçando a margarida com seus dedos longos e nervosos.

“Eu não pude me desvincilhar dela. Ela me levou aos nobres e às pessoas condecoradas[3] e às senhoras idosas com tiaras gigantescas e narizes empinados. Ela se referia a mim como seu mais querido amigo.