Voltando a passar pelas mulheres, parou por um momento para lhes admirar a beleza, respondendo ao sorriso e à inclinação de cabeça de Alice com uma expressão de visível prazer. Em seguida, passou pelo lado da égua e, demorando-se alguns instantes em um infrutífero exame do caráter de seu cavaleiro, sacudiu a cabeça e voltou para junto de Heyward.
— Um mingo é um mingo e, tendo Deus o feito assim, nem os mohawks nem qualquer outra tribo podem modificá-lo — disse, ao voltar para o lugar onde estivera antes. — Se estivéssemos sozinhos e o senhor deixasse esse nobre cavalo à mercê dos lobos hoje à noite, eu poderia lhe mostrar o caminho para chegar a Edward, pois o forte fica a cerca de uma hora de jornada daqui. Mas, com essas senhoras em sua companhia, isso é impossível!
— E por quê? Elas estão cansadas, mas são inteiramente capazes de cavalgar mais alguns quilômetros.
— Trata-se de uma impossibilidade natural! — repetiu o batedor. — Depois que a noite caísse, eu não andaria por essa floresta um único quilômetro sequer em companhia daquele mensageiro, nem para ganhar o melhor fuzil das colônias. A mata está cheia de iroqueses escondidos e seu vira-lata mohawk sabe bem demais onde encontrá-los para que eu o aceite como companheiro.
— O senhor pensa mesmo isso? — perguntou Heyward, inclinando-se para a frente na sela e baixando a voz quase ao tom de sussurro. — Confesso que eu mesmo não deixei de ter minhas suspeitas, embora tenha me esforçado para escondê-las e mostrar uma confiança que nem sempre senti, por causa de minhas companheiras. E foi por desconfiar dele que não quis ir mais adiante, obrigando-o, em vez disso, a me seguir.
— Eu soube que era um traidor logo que botei os olhos em cima dele! — respondeu o batedor, levando um dedo ao nariz em um gesto de cautela. — O ladrão está encostado naquele pé de bordo que você pode ver do outro lado das moitas. A perna direita dele está alinhada com o tronco da árvore — continuou, batendo de leve no fuzil —, e posso atirar nele daqui, acertando-o entre o tornozelo e o joelho com um único tiro, e acabar de vez com a vagabundagem dele pela floresta pelo menos durante um mês. Se eu fosse procurá-lo de novo, o verme astuto desconfiaria de alguma coisa e escaparia por entre as árvores como um gamo assustado.
— Isso não poderá ser feito. Ele talvez seja inocente, e não gosto desse ato. Embora, se eu tivesse certeza da traição dele...
— É uma coisa segura esperar traição de um iroquês — disse o batedor, erguendo o fuzil em uma espécie de movimento instintivo.
— Espere! — interrompeu-o Heyward. — Isso não vai adiantar. Temos que pensar em algum outro plano. Ainda assim, tenho boas razões para acreditar que o patife me enganou.
O caçador, que já abandonara a intenção de estropiar o mensageiro, pensou por um momento e, em seguida, fez um gesto que no mesmo momento trouxe para seu lado os dois companheiros. Falaram animadamente na língua delaware, embora em voz baixa. E pelos gestos do homem branco, que apontavam com frequência para a árvore, era evidente que indicava a posição do inimigo oculto. Os companheiros não demoraram muito em lhe compreender a intenção e, pondo de lado suas armas de fogo, separaram-se, tomando os lados opostos da trilha e desaparecendo na mataria cerrada, com movimentos tão cautelosos que seus passos se tornaram inaudíveis.
— Agora o senhor volta — disse o caçador, dirigindo-se novamente a Heyward — e mantém o demônio ocupado com uma conversa. Aqueles moicanos que estiveram aqui o capturarão sem lhe desmanchar a pintura.
— Não — disse orgulhoso Heyward —, eu mesmo o pego.
— Psiu! O que o senhor poderia fazer, montado, contra um índio no mato?
— Eu desmontarei.
— E o senhor pensa que, quando visse um de seus pés fora do estribo, ele esperaria que o outro ficasse livre? Quem quer que entre na floresta para tratar com os nativos tem que adotar os costumes indígenas se quer prosperar em suas atividades. Vá, então, converse com o patife e finja que acredita que ele é o amigo mais sincero que o senhor tem na terra.
Heyward preparou-se para cumprir o plano, embora com forte repugnância pela natureza da missão que era obrigado a executar. Cada momento, no entanto, aumentava-lhe a convicção de que se encontrava em situação crítica, a que o levara sua própria confiança. O sol já desaparecera e a floresta, privada repentinamente de luz,10 assumia uma tonalidade escura, a lembrar-lhe vivamente que a hora que o selvagem geralmente escolhia para seus atos mais bárbaros e implacáveis de vingança e hostilidade estava se aproximando rapidamente. Estimulado pela apreensão, deixou o batedor, o qual imediatamente iniciou uma conversa em voz alta com o estranho que tão sem cerimônia se juntara naquela manhã ao grupo de viajantes. Ao passar pelas mulheres, Heyward pronunciou algumas palavras de encorajamento e ficou satisfeito em descobrir que, embora fatigadas pelos exercícios do dia, elas aparentemente não pareciam desconfiar que o embaraço momentâneo fosse outra coisa que resultado do acaso. Dando-lhes razão para acreditar que estava meramente interessado em uma consulta a respeito da futura rota, esporeou o cavalo e colheu as rédeas novamente quando o animal o levou a alguns metros do lugar onde o taciturno mensageiro ainda permanecia, encostado na árvore.
— Você pode ver, Magua — disse, esforçando-se para assumir um ar descuidado e confiante —, que a noite está chegando e que não estamos mais perto do William Henry do que estivemos quando saímos do acampamento ao nascer do sol. Você perdeu o caminho e eu não tive mais sorte. Mas, felizmente, encontramos um caçador, aquele que está vendo conversando com o cantor, que conhece as trilhas dos gamos e os caminhos da floresta e que prometeu nos levar para um lugar onde podemos descansar em segurança até o amanhecer.
O índio fixou os olhos brilhantes em Heyward e perguntou, em seu inglês imperfeito:
— Ele está sozinho?
— Sozinho! — repetiu Heyward, para quem a burla era coisa nova demais para ser assumida sem embaraço. — Oh! Sozinho, não, certamente, Magua, pois você sabe que ele está conosco.
— Nesse caso, Raposa Astuta irá embora — respondeu o mensageiro, friamente levantando a pequena mochila que deixara cair a seus pés — e os caras-pálidas não verão ninguém, a não ser sua própria cor.
— Irá embora! A quem é que você chama de Raposa Astuta?
— Esse é o nome que seus pais canadenses deram a Magua — retrucou o mensageiro, com um ar que lhe mostrava o orgulho pela distinção que lhe fora conferida. — A noite é a mesma que o dia para Astuta quando Munro espera por ele.
— E que explicação a Raposa dará ao chefe de William Henry a respeito de suas filhas? Ousará ele dizer ao esquentado escocês que suas filhas foram deixadas sem guia, embora Magua prometesse servir nessa condição?
— Embora cabelos brancos fale em voz alta e tenha um longo braço, a Raposa não o ouvirá nem sentirá sua presença na floresta.
— Mas o que dirão os mohawks? Farão para ele saias e o obrigarão a permanecer nas tendas com as mulheres, pois não podem lhe confiar mais as atividades de um homem?
— Raposa conhece o caminho para os grandes lagos e pode encontrar o lar de seus pais — foi a resposta do imperturbável mensageiro.
— Basta disso, Magua — disse Heyward.
1 comment