Trazia também uma faca em um cinto de contas de conchas, semelhante ao que prendia a escassa vestimenta do índio, mas nenhuma machadinha de guerra. Os mocassins eram ornamentados à moda vistosa dos nativos, enquanto que a única parte abaixo da camisa de caça eram perneiras de pele de gamo, amarradas nos lados e presas acima dos joelhos por tripas de veado. Uma bolsa de balas e um polvorinho completavam-lhe o equipamento, embora um fuzil de grande tamanho,8 que a teoria dos brancos mais inteligentes lhe havia ensinado que era a mais perigosa de todas as armas de fogo, permanecia encostado numa árvore próxima. Os olhos do caçador, ou batedor, o que quer que fosse, eram pequenos, rápidos, agudos, incansáveis, movendo-se de um lado para o outro enquanto falava, como se à procura de caça ou temeroso da aproximação inesperada de algum inimigo à espreita. Não obstante os sinais de vigilância, sua fisionomia não só parecia destituída de malícia, mas no momento em que é apresentado ao leitor exibia uma expressão de profunda honestidade.

— Até as tradições de vocês confirmam minhas palavras, Chingachgook — disse ele, falando na língua que era conhecida de todos os nativos que outrora habitaram o território entre o Hudson e o Potomac, e da qual daremos uma tradução livre ao leitor, esforçando-nos, ao mesmo tempo, para preservar algumas das peculiaridades tanto do indivíduo quanto do idioma. — Seus pais vieram do sol poente, cruzaram o grande rio,9 combateram os povos da região e tomaram a terra. O meu veio do céu vermelho da manhã, do outro lado do lago salgado, e fez seu trabalho mais ou menos da mesma maneira que o seu povo. Que Deus, então, julgue o assunto entre nós e amigos poupem suas palavras!

— Meus pais lutaram com peles-vermelhas nus! — retrucou severamente o índio, usando a mesma língua. — Não há diferença, Olho de Falcão, entre a flecha de ponta de pedra do guerreiro e a bala de chumbo com que vocês matam?

— Há razão no que o índio diz, embora a natureza lhe tenha dado uma pele vermelha! — respondeu o branco, sacudindo a cabeça como um homem a quem um apelo ao espírito de justiça não era em vão. Por um momento, pareceu consciente de lhe caber a parte mais difícil do argumento, mas, recobrando a calma, respondeu à objeção do interlocutor da melhor maneira que lhe permitiam suas informações limitadas: — Não sou homem educado e não me importo que alguém saiba disso, mas, a julgar pelo que vi, em perseguições a gamos e caçadas de esquilos, eu pensaria que um fuzil nas mãos de seus avós não seria tão perigoso como um arco de nogueira-brava e uma boa flecha com ponta de pederneira, se bem retesada com critério de índio e disparada com olho de índio.

— Você conhece a história contada por seus pais — retrucou o outro, fazendo um gesto frio com a mão. — O que é que dizem seus anciãos? Dizem aos jovens guerreiros que os caras-pálidas enfrentaram os peles-vermelhas, pintados para a guerra e armados com machadinha de pedra e arma de madeira?

— Não sou preconceituoso nem homem que se vanglorie de seus privilégios naturais, embora o pior inimigo que eu tenha na terra, e ele é um iroquês, não ouse negar que sou branco autêntico — respondeu o batedor, olhando com disfarçada satisfação para a cor desbotada de sua mão ossuda e musculosa —, e estou pronto a reconhecer que minha gente tem muitos costumes que, como homem honesto, não posso aprovar. Um dos costumes dela é escrever em livros o que fizeram e viram, em vez de contá-los em suas aldeias, onde o homem pode ser chamado na cara de fanfarrão covarde e o soldado valente pode apelar para seus camaradas para dar testemunho da verdade de suas palavras. Em consequência desse mau costume, um homem que é consciencioso demais para desperdiçar seus dias entre mulheres, aprendendo os nomes de letras, talvez nunca ouça falar das façanhas de seus pais nem sinta orgulho em tentar superá-las. Quanto a mim, concluo que Bumppos sabe atirar, porque tenho um jeito natural para o fuzil, um dom que deve ser transmitido de uma geração a outra, o que, como nos dizem nossos santos mandamentos, é o modo como todas as boas e más qualidades são herdadas, embora me repugne responder por outras pessoas nesse assunto. Mas todas as histórias têm dois lados e lhe pergunto o seguinte: Chingachgook, o que aconteceu, de acordo com as tradições dos peles-vermelhas, quando nossos pais se encontraram?

Seguiu-se um minuto de silêncio, durante o qual o índio permaneceu calado. Em seguida, com toda a dignidade de sua posição de chefe, iniciou uma curta história com uma solenidade que contribuiu para acentuar-lhe ainda mais o cunho de verdade.

— Escute, Olho de Falcão, e seu ouvido não beberá mentira. Isso é o que meus pais contaram e o que os moicanos fizeram. — Hesitou por um único momento e, lançando um olhar cauteloso para o companheiro, continuou de uma maneira que era uma mistura entre interrogação e afirmação: — Esse rio aos nossos pés não corre para o verão, até que suas águas ficam salgadas e a corrente flui para as cabeceiras?

— Não se pode negar que suas tradições lhe dizem a verdade nesses dois assuntos — replicou o homem branco —, porque eu estive lá e os vi, embora por que uma água que é tão doce à sombra deva tornar-se amarga ao sol seja uma alteração que nunca fui capaz de explicar.

— E quanto à corrente? — quis saber o índio, que esperava a resposta do interlocutor com aquele tipo de interesse que um homem sente na confirmação de seu depoimento, e com a qual se maravilha, mesmo que a espere. — Os pais de Chingachgook não mentiram!

— A Santa Bíblia não é mais verdadeira que essas palavras e ela é a coisa mais verdadeira na natureza. Chamam de maré essa corrente que sobe para as cabeceiras, o que é uma coisa fácil de explicar e muito clara. Durante seis horas, as águas correm para dentro e durante seis horas para fora, e a razão é a seguinte: quando há águas mais altas no mar do que no rio, elas entram, até que o rio fica mais alto, e então ela sai novamente.

— As águas na floresta e nos grandes lagos correm para baixo até que ficam como minha mão — disse o índio, estendendo horizontalmente o membro — e depois não correm mais.

— Nenhum homem honesto pode negar isso — concordou o batedor, um pouco aborrecido com a desconfiança implícita em sua explicação do mistério das marés —, e concedo que isso é verdade em pequena escala e nos casos em que a terra é plana. Mas tudo depende da escala em que a gente olha para as coisas. Bem, em pequena escala, a terra é plana. Mas, em grande escala, é redonda. Dessa maneira, poços e lagoas, e mesmo o grande lago de água doce, podem ficar estagnados, como nós dois sabemos que ficam, tendo-os visto. Mas quando a gente considera uma grande extensão de água sobre uma grande extensão de terra, como o mar, onde a terra é redonda, como, em bom juízo, pode a água ficar parada? Do mesmo jeito, você poderia esperar que o rio ficasse parado na borda daquelas rochas pretas a quilômetro e meio acima de nós, embora nossos ouvidos nos digam que está caindo sobre elas neste exato momento!

Se insatisfeito com a filosofia do companheiro, o índio era orgulhoso demais para revelar sua incredulidade. Escutou como um homem que fora convencido e reiniciou a narrativa na mesma maneira solene anterior:

— Viemos do lugar onde o sol se esconde à noite, por cima das grandes planícies onde vivem os búfalos, até que chegamos ao grande rio. Ali lutamos com os alligewis até que o chão ficou vermelho com o sangue deles. Das margens do grande rio até as praias do lago salgado, não havia mais ninguém para nos enfrentar. Os maguas seguiram-nos à distância.