Tão verdadeiro isso é, que a mente humana sozinha criou tudo o que é bom ou grande para o homem, e que a Natureza em si foi apenas seu primeiro-ministro. A Inglaterra, assentada bem ao norte no mar turbulento, agora visita meus sonhos no semblante de um amplo e ocupado navio, que dominou os ventos e navegou orgulhosamente por entre as ondas. Nos meus dias de criança, ela era o universo para mim. Quando eu me erguia nas montanhas onde nasci e via planícies e montes estenderem-se até onde minha visão podia alcançar, pontilhada pelas habitações dos meus conterrâneos e condicionada à fertilidade pelo seu trabalho, o centro da terra estava fixado precisamente naquele lugar, e o resto do orbe era como uma fábula, da qual minha imaginação ou compreensão poderia se esquecer sem esforço algum.
Minha sorte tem sido, desde o início, um exemplo do poder que a mudança talvez possua sobre os variados propósitos da vida humana. No que concerne a mim, isso ocorreu quase que por herança. Meu pai era um destes homens ao qual a Natureza concedeu em excesso as invejadas prendas de espírito e imaginação, e então permitiu que o barco de sua vida fosse conduzido por esses ventos, sem convocar a razão como leme ou o julgamento como piloto para a viagem. Sua descendência era obscura; mas as circunstâncias o tornaram popular rapidamente e sua pequena propriedade paterna logo se dissipou no esplêndido mundo de luxúria e ostentação no qual ele era um ator. Durante os poucos anos de juventude impensada, ele era adorado pelos ricos frívolos da época, não só pelos jovens soberanos que, livres das intrigas das festas, assim como das árduas tarefas de negócios importantes, encontravam diversões infalíveis e excitamentos do espírito em sua sociedade. Os impulsos de meu pai, nunca sob seu controle, inevitavelmente conduziam-no a dificuldades que sua engenhosidade, por si só, poderia livrá-lo; e ele suportava a crescente pilha de dívidas de negócios e de jogo, que levaria qualquer um ao desespero, com um fino humor e uma indomável pilhéria; enquanto isso, sua companhia era tão necessária nas mesas e nas reuniões dos ricos, que seus delitos eram considerados fúteis, e ele era recebido com tóxica bajulação.
Esse tipo de popularidade, como qualquer outra, desvanece; e as dificuldades de todo o tipo contra as quais ele tinha de lutar aumentaram em uma proporção assustadora, comparada aos seus parcos meios de se safar. Em momentos como esses, o rei, devido ao seu apreço por ele, viria em seu socorro e, então, gentilmente o censurava; meu pai lhe prometia corrigir-se, mas sua disposição social, sua paixão pela ração diária de admiração e, acima de tudo, sua queda pelo jogo, que tomava conta de si, faziam suas resoluções passageiras, suas promessas, vãs. Com a ágil sensibilidade peculiar ao seu temperamento, ele percebeu que seu poder no brilhante círculo estava por se desmanchar. O rei se casou; e a arrogante princesa da Áustria, que se tornou, como rainha da Inglaterra, a primeira em ostentação, criticava meu pai severamente pelos seus defeitos e desdenhava a afeição que seu marido real tinha por ele. Meu pai sentiu que sua queda estava próxima; porém, longe de aproveitar a última calmaria antes da tormenta para se salvar, ele buscou esquecer sua desgraça anunciada ao fazer sacrifícios ainda maiores para a deusa do prazer, cruel e dissimulada juíza do seu destino.
O rei, que era homem de excelente temperamento, mas facilmente influenciável, havia se tornado um discípulo deliberado de sua imperiosa esposa. Ele foi induzido a desaprovar com fervor, e mesmo com desgosto, a imprudência e a frivolidade de meu pai. É verdade que a sua presença dissipava tais nuvens; sua calorosa franqueza, suas ironias brilhantes e seu comportamento confiante eram irresistíveis; era apenas à distância, enquanto as histórias de seus erros eram ainda renovadas e despejadas nos ouvidos de sua consorte real, que ele perdera sua influência. As hábeis manobras da rainha eram empregadas para prolongar essas ausências, além de reunir outras acusações. Por fim, o rei foi levado a ver em meu pai uma fonte de perpétua inquietação, sabendo que ele deveria pagar pelo prazer de curta duração da sua sociedade com tediosos sermões e mais narrativas dolorosas de excessos, tão verdadeiras que ele não poderia refutar. O resultado foi que ele deveria fazer mais uma tentativa de recuperar-se, e no caso de falhar, ser eliminado para sempre.
Tal cena deve ter sido de profundo interesse e de paixão duramente trabalhada. Um rei poderoso, notável em sua bondade que o tornara dócil, e agora elevado em suas admoestações, com reprovações e rogos alternados, implorava ao seu amigo para atender seus interesses reais, para evitar com resolução essas fascinações que de fato estavam rapidamente lhe abandonando e para empregar seus grandes poderes em algo mais útil no qual ele, seu soberano, seria seu apoio, seu amparo e seu protetor. Meu pai sentiu a bondade; por alguns momentos ambiciosos, sonhos flutuaram à sua frente; e ele considerou que seria bom trocar seus objetivos presentes por tarefas mais nobres. Com sinceridade e fervor, ele fez a promessa exigida; e como sinal de continuar a ser favorecido, recebeu do seu mestre real uma soma para aliviar as dívidas mais urgentes, permitindo-o começar sua nova carreira com bons augúrios. Naquela mesma noite, ainda cheio de gratidão e de boas resoluções, todo o dinheiro e mais uma quantia equivalente ao dobro do que recebera, se perderam na mesa de jogo. Desejoso de recuperar a perda inicial, meu pai dobrou suas apostas, o que acarretou uma dívida de jogo que lhe era totalmente impossível de pagar. Com vergonha de recorrer novamente ao rei, ele deu as costas para Londres e para suas falsas delícias e pegajosas misérias; e, com a pobreza como única companhia, ele se enfurnou entre as montanhas e os lagos da Cúmbria[1]. Seu espírito, seus bons modos, o histórico de suas atrações pessoais, seus modos fascinantes e seu talento social foram relembrados e repetidos boca a boca por muito tempo. Pergunte onde estaria esse favorito da ostentação, esse companheiro da nobreza, esse sorriso fulgurante, que dourava com exótico esplendor as reuniões dos elegantes e dos felizes – você saberá que ele estava sob suspeita, era um homem perdido; não foram poucos os que pensaram que ele buscava compensar o prazer com serviços reais ou que o longo reinado de seu espírito brilhante mereceria uma aposentadoria. O rei lamentou sua ausência; ele amava repetir seus dizeres, contar as aventuras que tiveram juntos e exaltar seus talentos – mas suas reminiscências aí terminavam.
Enquanto isso, meu pai, esquecido, não esquecia. Ele lamentava a perda do que era mais importante do que ar ou alimento para ele – as excitações do prazer, a admiração da nobreza, a vida luxuosa e elegante dos grandes. Uma febre nervosa foi a consequência; durante a qual cuidou dele a filha de um pobre lavrador, sob cujo teto ele morava. Ela era amável, gentil e, acima de tudo, bondosa com ele; não é de se espantar que o antigo ídolo da beleza bem-nascida deveria ser, mesmo na derrota, de uma natureza maravilhosa e elevada para uma pobre filha de lavradores.
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