Ele, claro, fazia aquele jogo de cena para Wall Street sobre os mistérios de produzir um filme, mas papai não sabia nem o bê-á-bá da dublagem ou mesmo do processo de montagem. Não que tivesse aprendido muito sobre o espírito da América servindo mesas num bar em Ballyhegan, nem que soubesse grande coisa sobre enredos. Por outro lado, não ficava fingindo que trabalhava, ao contrário de…; chegava ao estúdio antes do meio-dia e, tendo desenvolvido seu senso de desconfiança como quem fortalece um músculo, era difícil que deixasse passar alguma coisa.
Em Stahr encontrou sua sorte — e Stahr era ainda algo mais. Era um divisor de águas na indústria, como Edison e Lumière, Griffith e Chaplin. Elevava seus filmes muito acima do alcance e do poder do teatro, atingindo uma espécie de era de ouro, anterior à censura.
A prova de sua liderança era a espionagem que o rondava — não apenas em busca de informações em primeira mão ou de processos secretos protegidos por patentes —, mas atrás de seu faro para tendências que cairiam no gosto popular, de seus palpites sobre como as coisas se desenvolveriam. Consumia além da conta sua vitalidade apenas se esquivando desse assédio. Era isso que tornava seu trabalho algo sigiloso, em parte, muitas vezes furtivo, lento — e tão difícil de ser descrito quanto os planos de um general, em que os fatores psicológicos acabam sendo tão sutis que simplesmente contabilizamos sucessos e fracassos. Mas me comprometi a dar a vocês um vislumbre de como ele trabalhava, e isso justifica o que se segue. Foi baseado em parte num trabalho que escrevi para a faculdade, O dia de um produtor, e parte saiu da minha imaginação. Os acontecimentos que eu mesma inventei são, no mais das vezes, aqueles mais ordinários, ao passo que os mais estranhos são os verdadeiros.
*
Na manhã seguinte à inundação, logo cedo, um homem se dirigiu à sacada externa do prédio da administração. Deixou-se ficar por ali algum tempo, segundo uma testemunha ocular, então montou no corrimão de ferro e mergulhou de cabeça para a calçada embaixo. Balanço de fraturas — um braço.
A srta. Doolan, secretária de Stahr, contou-lhe sobre o incidente quando ele a chamou, às nove. Tinha dormido no escritório e não percebera a mais leve perturbação.
“Pete Zavras!”, exclamou Stahr, “o cinegrafista?”
“Foi levado ao consultório de um médico. Não vai sair nos jornais.”
“Que encrenca”, disse Stahr. “Sabia que ele estava na pior — mas não o porquê. Estava bem quando trabalhou pra nós há dois anos — por que teria vindo aqui? Como conseguiu entrar?”
“Deu o golpe usando seu antigo crachá do estúdio”, falou Catherine Doolan. Era uma mulher severa, casada com um diretor-assistente. “Talvez o terremoto tenha algo a ver com a história.”
“Ele era o melhor cinegrafista da cidade”, disse Stahr. Depois de ouvir sobre as centenas de mortos em Long Beach, ainda continuava assombrado pelo suicídio não consumado na madrugada. Mandou que Catherine Doolan acompanhasse o caso.
As primeiras mensagens começaram a chegar pelo ditafone na manhã quente. Falava e escutava enquanto fazia a barba e tomava o café. Robby deixara uma mensagem: “Se o sr. Stahr perguntar por mim, que se dane, estou dormindo”. Um ator estava doente, ou achava que estava; o governador da Califórnia daria uma festa; um supervisor havia espancado a esposa com repercussão nos jornais e devia ser “rebaixado a roteirista” — todos os três casos a cargo do papai — a menos que o ator estivesse sob contrato pessoal com Stahr. Uma neve precoce caía numa locação no Canadá com a equipe já no local — Stahr percorreu rapidamente as possibilidades de correção de rumos, revendo o enredo do filme. Nada. Ligou para Catherine Doolan.
“Quero falar com o policial que retirou duas moças do terreno dos fundos ontem à noite. Acho que o nome dele é Malone.”
“Sim, sr. Stahr.
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