O universo do cinema nos Estados Unidos é observado de perto, estudado com cuidado e dramatizado com sagacidade — uma combinação que não é encontrada em nenhuma outra obra sobre o tema. O último magnata é, de longe, o melhor romance já escrito sobre Hollywood, e o único que nos leva para dentro do mundo do cinema.

Foi possível complementar este rascunho inacabado do autor com um resumo da história, que apresenta a forma como Fitzgerald pretendia finalizar o romance, e com algumas anotações do escritor que, vividamente, comentam personagens e cenas.

Vale a pena ler O grande Gatsby junto com O último magnata, porque a primeira obra mostra o que Fitzgerald pretendia realizar na última. Se a concepção do tema em Suave é a noite foi se modificando enquanto o autor escrevia, é porque as partes desse romance fascinante nem sempre se encaixam perfeitamente. Aqui, porém, Fitzgerald manteve firmemente seu propósito, combinado à prosa de artesão presente na obra anterior. Ao examinarmos a imensa pilha de esboços e anotações que o autor fez para este romance, confirma-se e reforça-se a impressão de que Fitzgerald figura como um dos escritores de primeira linha da literatura americana. As últimas páginas de O grande Gatsby estão, certamente, tanto do ponto de vista dramático como do ponto de vista da prosa, entre as melhores da ficção produzida por nossa geração. T. S. Eliot disse, a respeito do livro, que Fitzgerald dera o primeiro importante passo à frente na literatura americana desde Henry James. E certamente O último magnata, mesmo não tendo sido completamente finalizado, ocupa um lugar de destaque entre os livros que instituem novos modelos de escrita.

O último magnata

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Embora nunca tenha aparecido na tela, eu cresci no cinema. Rodolfo Valentino esteve na festa do meu quinto aniversário — pelo menos foi o que me contaram. Só escrevo isso para indicar que, mesmo antes de me entender por gente, já estava a postos para ver girar as engrenagens.

Certa vez inventei de escrever um livro de memórias, A filha do produtor, mas aos dezoito anos nunca se vai muito longe numa empreitada dessas. Menos mal — ficaria sem graça como um velho artigo de Lolly Parsons. Meu pai trabalhava na indústria do cinema do mesmo jeito que outros pais labutavam na de algodão ou na de aço, e eu encarava isso com tranquilidade. Se me aborrecia, era com resignação, como um fantasma que aceita a casa assombrada para a qual foi designado. Tinha consciência do que as pessoas deviam pensar, mas me mantinha obstinadamente inabalada.

Algo fácil de falar, mas difícil de fazer as pessoas entenderem. Quando estudei em Bennington, alguns dos professores de literatura que fingiam indiferença a Hollywood e seus produtos na verdade os odiavam. E odiavam profundamente, como se aquilo fosse uma ameaça à sua existência. Ainda antes disso, no tempo em que estive num colégio de freiras, uma delas, pequenina e amável, me perguntou se eu não lhe arranjava um roteiro para ela “dar uma aula de escrita para cinema”, assim como já dera as de ensaio e conto. Consegui o roteiro para a freira, e acho que ela se debruçou sobre ele por um bom tempo, mas nunca o mencionou em sala e acabou por devolvê-lo para mim, com um ar de surpresa indignada, sem fazer nenhum comentário. É mais ou menos a reação que prevejo para esta história.

Pode-se passar incólume por Hollywood, como eu fiz, ou desprezá-la com o ódio que reservamos àquilo que não entendemos. Pode-se também entendê-la, mas apenas vagamente, e em flashes. Não chega a uma dúzia o número de homens que algum dia foram capazes de ter na cabeça a equação completa do cinema. E talvez tentar entender um desses homens é o mais próximo disso que uma mulher pode chegar.

O mundo visto de um avião, isso eu conhecia. Meu pai sempre nos embarcava num deles para as idas e vindas da escola e da faculdade. Depois que minha irmã morreu, eu, um pouco solene e melancólica, pensava nela a cada um desses trajetos, que passei a fazer sozinha, sendo ainda uma menina. Algumas vezes havia gente do cinema a bordo, e de vez em quando algum universitário bonitão — mas isso não era muito frequente durante a Depressão. Quase nunca conseguia dormir de verdade nos voos, e como poderia, com o pensamento em Eleanor e a sensação daquela fenda abrupta entre uma costa e outra? — era como me sentia pelo menos até que deixássemos para trás aqueles pequenos e solitários aeroportos do Tennessee.

Aquele voo estava tão turbulento que os passageiros logo se dividiram em dois grupos, aqueles que apagaram logo de saída e aqueles que não queriam, de jeito nenhum, adormecer. Dois desses últimos ocupavam as poltronas do outro lado do corredor, e tive quase certeza, pelos pedaços de conversa, que eram de Hollywood — um deles porque a aparência levava a crer nisso: judeu de meia-idade, falava com um nervosismo excitado ou então caía num silêncio angustiante, encolhido como se pronto a levantar de um salto; o outro era um sujeito pálido e atarracado, tipo comum de uns trinta anos, e que eu tinha certeza de já ter visto antes. Devia ter ido lá em casa alguma vez ou coisa do tipo.