Acho que não. Mas, se fosse, sei em qual dos dois apostaria meu dinheiro.”

“No papai?”

“Temo que não.”

Era ainda muito cedo para uma demonstração de patriotismo familiar. O piloto estava no balcão de informações e balançou a cabeça enquanto observava, com o chefe do pessoal de bordo, um potencial passageiro que havia depositado um níquel no fonógrafo automático e, entregue ao álcool, recostava-se num banco tentando vencer o sono. A primeira música que escolhera, “Lost”, ressoou feito um trovão na sala, seguida, após breve intervalo, de outra escolha sua, “Gone”, igualmente dogmática e definitiva. O piloto balançou a cabeça, enfático, e foi até onde estava o passageiro.

“Acho que o senhor não vai poder embarcar desta vez, amigão.”

“Quê?”

O bêbado endireitou-se, com a aparência deplorável, embora ainda se vislumbrasse ali um homem atraente, e tive pena dele, apesar da música passionalmente mal escolhida.

“Volte para o hotel e durma um pouco. Tem outro avião saindo hoje à noite.”

“Só levanto daqui pra voar.”

“Não desta vez, amigão.”

De tão desapontado, o bêbado caiu do banco — e, mais alto que o fonógrafo, um anúncio no sistema de som nos chamou, as pessoas de bem, a sair dali. No corredor do avião, esbarrei em Monroe Stahr e caí por cima dele, ou o fiz de propósito. Ali estava um homem sobre o qual qualquer garota se atiraria, tivesse ou não um motivo para isso. Eu claramente não tinha, mas ele gostava de mim e se sentou na minha frente, na poltrona oposta, até o avião decolar.

“Vamos todos pedir nosso dinheiro de volta”, sugeriu. Seus olhos escuros me engoliam, e fiquei pensando em que aparência teriam se ele se apaixonasse. Era um olhar gentil, distanciado, e, embora quase sempre educadamente atento, denotava um pouco de superioridade. Não tinha culpa por enxergar tanto. O homem entrava e saía do papel de “um dos rapazes” com destreza — mas, no geral, diria que não era um deles. Mas sabia se calar, se recolher, ficar ouvindo. De onde estava (e, apesar de nem ser tão alto, parecia ver tudo de cima), ele observava as múltiplas circunstâncias de seu mundo feito um jovem pastor de rebanhos para quem o fato de ser noite ou dia nem sequer tinha importância. Nascera insone, sem talento para o repouso ou desejo de repousar.

Ficamos sentados num silêncio constrangido — eu o conhecia desde que se tornara sócio do papai, mais de uma década antes; na época, tinha sete anos e ele, vinte e dois. Wylie estava do outro lado do corredor, e eu não sabia se devia ou não apresentá-los, mas Sathr insistia em rodar um anel no dedo de maneira tão indiferente que me fez sentir-me jovem e invisível, e não pensei mais nas apresentações. Jamais ousava tirar os olhos dele ou olhar diretamente para ele, a menos que tivesse algo importante a dizer — e eu sabia que Stahr provocava essa mesma reação em muita gente.

“Vou te dar este anel, Cecilia”, ele disse.

“Desculpa. Nem reparei que eu estava …”

“Tenho mais um monte igual a este.”

Ele me entregou o anel, uma pepita de ouro com a letra S destacada em relevo. Eu estava pensando, pouco antes, no contraste esquisito daquele volume com seus dedos, que eram delicados e delgados como o resto do corpo, e com o rosto fino com as sobrancelhas arqueadas, o cabelo escuro encaracolado. Às vezes parecia bem-humorado, mas era um lutador — uma pessoa que o conhecera no passado e sabia da gangue de garotos que ele tivera no Bronx descreveu para mim a cena, Stahr sempre à frente do grupo, menino até bem frágil, dando uma ou outra ordem à boca pequena para os que vinham atrás.

Stahr fechou minha mão com o anel na palma, ficou de pé e se dirigiu a Wylie.

“Pode vir para a suíte nupcial”, falou. “Até mais, Cecilia.”

Antes que os dois se afastassem a ponto de não poder ouvi-los, escutei a pergunta de Wylie: “Você leu o bilhete do Schwartz?”. E Stahr:

“Ainda não.”

Devo ser meio lenta, pois só então me dei conta de que Stahr era o sr. Smith.

Mais tarde, Wylie me contou o que havia no bilhete. Escrito à luz dos faróis do táxi, era quase ilegível.

Caro Monroe, você é o melhor dentre eles todos e sempre admirei sua mentalidade, então sei que não adianta se voltar contra mim! Não devo prestar e não vou seguir nessa jornada, então deixa eu te dizer de novo: cuidado! Eu sei.

Seu amigo

Manny

Stahr leu o bilhete duas vezes e levou a mão até a barba amanhecida que lhe crescia no queixo.

“O cara está com os nervos em frangalhos”, falou. “Não há nada que se possa fazer — absolutamente nada. Sinto muito não ter atendido as expectativas — mas não gosto da ideia de um cara me abordar pra dizer que está fazendo aquilo por mim.”

“Talvez estivesse”, disse Wylie.

“Péssima estratégia.”

“Funcionaria comigo”, respondeu Wylie. “Sou fútil como uma mulher. Se alguém finge se interessar por mim, peço mais. Gosto de ser aconselhado.”

Stahr balançou a cabeça, repugnado.