Wylie continuou bulindo com ele — era um dos únicos a quem tal privilégio era permitido.

“Você se rende a alguns tipos de bajulação”, falou. “Essa coisa de ‘pequeno Napoleão’.”

“Me embrulha o estômago”, disse Stahr, “mas não é tão ruim quanto um cara tentando ajudar.”

“Se você não gosta de conselhos, por que contratou a mim?”

“Questão de mercado”, falou Stahr. “Sou um comerciante. Quero comprar o que você tem na cabeça.”

“Você não é um comerciante”, retrucou Wylie. “Conheci um monte deles nos meus tempos de publicidade, e concordo com Charles Francis Adams.”

“O que ele disse?”

“Conheceu todos — Gould, Vanderbilt, Carnegie, Astor — e dizia que não fazia questão de encontrar nenhum deles no além. Bom … esse pessoal não melhorou em nada desde então, e é por isso que digo que você não é um comerciante.”

“Adams era um rabugento, provavelmente”, disse Stahr. “Queria ele mesmo ser patrão, mas não tinha tino ou, pior, caráter.”

“Tinha tutano”, falou Wylie, afiado e desagradável.

“Precisa mais do que isso. Vocês, escritores e artistas, se cansam e começam a confundir tudo, aí tem de vir alguém pra botar vocês na linha.” Ele deu de ombros. “Parecem tomar as coisas pelo lado pessoal, odiando e idolatrando as pessoas — sempre achando que pessoas são tão importantes — especialmente vocês mesmos. Parece que pedem pra ser descartados. Gosto das pessoas e gosto que elas gostem de mim, mas levo o coração no lugar onde Deus o colocou — do lado de dentro.”

Ele se interrompeu.

“O que foi que eu disse ao Schwartz no aeroporto? Você se lembra… exatamente?”

“Você falou: ‘O que quer que esteja querendo, a resposta é não!’.”. Stahr ficou em silêncio.

“O Schwartz estava derrubado”, disse Wylie, “mas fiz ele dar umas risadas. Levamos a filha do Billy Brady pra dar uma volta.”

Stahr chamou a aeromoça.

“Aquele piloto”, falou, “ele se importaria se eu fosse lá para a cabine por um tempo?”

“Isso não é permitido, sr. Smith.”

“Peça a ele que dê uma chegadinha aqui quando tiver um tempinho.”

Stahr passou a tarde toda lá na frente. Nesse tempo, flutuamos acima do deserto sem fim e dos planaltos tingidos de tinturas de muitas cores, feito a areia branca que pintávamos quando eu era criança. Depois, no final da tarde, foram os próprios picos das montanhas — o Serrote Congelado — que deslizaram sob nossos motores, já perto de casa.

Nos momentos em que não estava cochilando, eu ficava pensando que desejava me casar com Stahr, queria fazê-lo me amar. Ah, quanta presunção! O que tinha eu a oferecer? Mas não pensava assim naquele tempo. Eu tinha o orgulho das moças cuja fonte de poder são pensamentos sublimes tais como “sou tão boa quanto ela”. Para o que eu pretendia, era tão bela quanto as grandes beldades que, inevitavelmente, deviam chover sobre ele. Meu breve lampejo de interesse intelectual me tornava apta a brilhar como um ornamento em qualquer salão.

Hoje sei que isso era absurdo. Embora a formação de Stahr não fosse muito além de um curso noturno de estenografia, fazia muito que, à frente de todos, ele percorria os ermos descaminhos da percepção até paragens às quais poucos homens eram capazes de segui-lo. Mas eu, em minha presunção imprudente, alçava maliciosamente meus olhos verdes à altura dos olhos castanhos dele, as batidas jovens e atléticas do meu coração contra as dele, já um pouco desaceleradas pelos anos de excesso de trabalho. E planejei e maquinei e tramei — as mulheres é que sabem —, mas nunca deu em nada, conforme vocês verão. Até hoje gosto de pensar que, se ele fosse um rapaz pobre da minha idade, podia ter me dado bem, mas a verdade verdadeira é que eu não tinha nada a oferecer que ele já não possuísse; algumas das minhas mais românticas noções decerto haviam saído de filmes — Rua 42, por exemplo, era uma grande influência. É mais do que possível que alguns dos filmes que o próprio Stahr concebera tivessem delineado quem eu era.

De modo que era um caso perdido. Emocionalmente, ao menos, as pessoas não podem viver tão dependentes.

Mas daquela vez era diferente: o papai podia ajudar, a aeromoça podia ajudar. Ela talvez fosse à cabine e dissesse a Stahr: “Se é que alguma vez vi o amor, foi nos olhos daquela garota”.

O piloto quem sabe ajudasse: “Cara, você está cego? Por que não volta pra lá?”.

Wylie White podia ajudar — em vez de ficar parado no corredor olhando indecisamente para mim, perguntando-se se eu estava dormindo ou acordada.

“Senta”, falei. “Novidades? Onde estamos?”

“Em pleno ar.”

“Ah, então é isso. Senta.” Tentei me mostrar interessada, animada: “Sobre o que você está escrevendo?”.

“Que os céus venham em meu socorro: é sobre um Escoteiro — sobre O Escoteiro.”

“É ideia do Stahr?”

“Não sei — ele me falou pra dar uma olhada nessa coisa. É capaz de ter uns dez roteiristas trabalhando, mais adiantados ou mais atrasados do que eu, um sistema muito bem pensado por ele.