Ao longe, se ouvia o rouco e leve som das torrentes, e alguém poderia estudar ali todos os efeitos mais selvagens e antigos da natureza na sua força primitiva. Encantei-me desde o primeiro momento por esse vigoroso cenário e seu clima inconstante, e não menos pela antiga e dilapidada casa onde fui viver. Era uma construção retangular, flanqueada nos dois cantos opostos por apêndices como bastiões, um deles sobre a porta, e ambos tinham buracos para mosquetes. O andar de baixo, entretanto, não tinha janelas, de forma que o prédio, se ocupado, não poderia ser atacado sem artilharia. Ele cercava um pátio aberto, com romãzeiras. Dali, uma escadaria de mármore subia para uma galeria aberta que rodeava a casa, com o telhado sustentado por finos pilares. E dali diversas escadas levavam para os andares superiores da casa, que era dividida em partes distintas. As janelas, tanto internas quanto externas, estavam sempre fechadas, e algumas partes das esculturas de pedra acima delas tinham caído. De um lado, o telhado havia se desfeito numa das lufadas de vento comuns nessas montanhas, e toda a casa, castigada pela forte luz do Sol, ficava fora do alcance da sombra das árvores, estava muito queimada e descolorida pela poeira, o que lhe dava a aparência de lugar de repouso de uma lenda. O pátio, em particular, parecia a própria casa do sono. O rouco arrulho das pombas assombrava os beirais; o vento cessou, mas, quando soprava lá fora, o pó das montanhas caía ali tão denso como a chuva. Veladas pelas flores vermelhas da romã, janelas fechadas e portas trancadas de numerosos porões fechavam os arcos de galerias vazias. Ao longo de todo o dia, o sol desenhava perfis quebrados pelos quatro cantos e projetava a sombra dos pilares no chão da galeria. No térreo, havia, entretanto, um recanto entre os pilares que tinha as marcas de uma habitação humana. Apesar de ter sido aberta para o pátio, tinha uma lareira, onde um fogo sempre ardia lindamente, e o chão era forrado com peles de animais.

Foi nesse lugar que vi pela primeira vez minha anfitriã. Ela havia arrastado uma das peles para fora e sentado ao sol, encostada num pilar. Foi seu vestido que me chamou a atenção primeiro, pois era rico e vibrantemente colorido, e brilhava em meio àquele pátio empoeirado, com o mesmo frescor das flores das romãs. Num segundo olhar, foi sua beleza que me deteve. Quando, ali sentada, voltou-se para mim e me olhou, embora com olhos invisíveis, com uma expressão ao mesmo tempo de bom humor quase imbecil e contentamento, ela mostrou uma perfeição de traços e uma tranquila nobreza de atitude maiores do que de uma estátua. Tirei meu chapéu para ela ao passar, e sua face se contraiu com desconfiança, de um jeito rápido e leve, como um lago ondula com a brisa, mas não respondeu ao meu gesto. Saí para meu passeio costumeiro um pouco assustado; sua impassibilidade, como a de um ídolo, me assombrando, e, quando retornei, embora ela continuasse na mesma posição, fiquei surpreso ao ver que havia se movido até o próximo pilar, seguindo a luz do Sol. Dessa vez, entretanto, se dirigiu a mim com uma saudação trivial, até mesmo cortês, mas concebida e expressada no mesmo tom profundo, indistinto e balbuciante que, como em seu filho, contrariava a amabilidade. Respondi sem muita ênfase, não apenas porque não consegui compreender direito o que ela havia me dito, mas também porque o repentino abrir de seus olhos me perturbou. Eram muito grandes, dourados como os de Felipe, mas, naquele momento, com as pupilas tão dilatadas, pareciam quase pretos; e o que me impressionou não foi tanto o tamanho deles (isso talvez fosse a consequência), mas a singular insignificância de seu olhar. Um olhar vazio como eu jamais havia encontrado. Desviei meus olhos ainda enquanto falava e segui meu caminho pelas escadas em direção ao meu quarto, ao mesmo tempo perplexo e constrangido. No entanto, quando entrei e vi o rosto no quadro, mais uma vez me lembrei do milagre da descendência familiar. Minha anfitriã era certamente mais velha e desenvolvida, seus olhos eram de uma cor diferente; sua expressão não apenas estava livre daquela perversidade que tanto me ofendia quanto me atraía na pintura, como era destituída do bem e do mal, um branco moral expressando literalmente nada. E ainda assim havia uma semelhança, não tanto evidente nem em nada em particular, mas no todo. Poderia dizer, eu acho, como se o mestre, ao colocar sua assinatura na tela, não apenas tivesse capturado a imagem de uma mulher sorridente e de olhar frio, como estampado a qualidade essencial de uma raça.

A partir do quarto dia, entrando ou saindo de casa, eu tinha a certeza de encontrar aquela senhora sentada ao sol, encostada no pilar ou estendida em um tapete, em frente ao fogo.