Youatt, que, mais que qualquer outro, conhecia os trabalhos dos agricultores, e que por si mesmo era um excelente juiz em questões de animais, admite que o princípio da selecção «permite ao agricultor, não somente modificar o carácter do seu rebanho, mas transformá-lo inteiramente. É a vara mágica por meio da qual pode apresentar as formas e os modelos que lhe agradarem». Lorde Somerville diz, a propósito do que os criadores têm feito para o carneiro: «Parece que traçaram o esboço de uma forma perfeita, e depois lhe deram existência». Em Saxe, compreende-se tão bem a importância do princípio da selecção, relativamente aos carneiros merinos, que se tem feito uma profissão; coloca-se o carneiro sobre uma mesa e um conhecedor o estuda como faria a um quadro; repete-se este exame três vezes por ano, e cada vez se marcam e se classificam os carneiros de maneira a escolher os mais perfeitos para a reprodução.

O preço considerável atribuído aos animais de que a genealogia é irrepreensível prova os resultados que os criadores ingleses têm já atingido; os seus produtos são expedidos para quase todas as partes do mundo. Não seria necessário crer que estas melhoras fossem ordinariamente devidas ao cruzamento de diferentes raças; os melhores criadores condenam esta prática em absoluto, e empregam-na somente para as sub-raças estreitamente relacionadas. Quando um cruzamento deste género se faz, uma selecção rigorosa se torna ainda muito mais indispensável que nos casos ordinários. Se a selecção consistisse simplesmente em isolar algumas variedades distintas e fazê-las reproduzir-se, este princípio seria tão óbvio, que a custo teríamos de nos ocupar dele; mas a grande importância da selecção consiste nos efeitos consideráveis produzidos pela acumulação numa mesma direcção, durante gerações sucessivas, de diferenças absolutamente inapreciáveis a olhos inexperientes, diferenças que, quanto a mim, em vão tenho tentado apreciar. Nem um homem entre mil tem agudeza de vista e a segurança de critério necessários para tornar-se um hábil criador. Um homem dotado destas qualidades, que se consagra longos anos ao estudo deste assunto, desde que a ele dedica a existência inteira, aplicando-lhe toda a sua energia e uma perseverança indomável, terá bons resultados sem dúvida e poderá realizar imensos progressos; mas a falta de uma só destas qualidades determinará forçosamente o mau resultado. Poucas pessoas imaginam quantas

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capacidades naturais são precisas, e quantos anos de prática para se chegar a ser um bom criador de pombos.

Os horticultores seguem os mesmos princípios; mas aqui as variações são muitas vezes repentinas. Ninguém supõe que as nossas mais belas plantas são o resultado de uma única variação da fonte original. Sabemos que tem sido de outra maneira em muitos casos a respeito dos quais possuímos conhecimentos exactos. Assim, pode citar-se como exemplo o aumento sempre crescente da groselha comum. Se compararmos as flores actuais com os desenhos feitos há somente vinte ou trinta anos, notam-se os melhoramentos na maior parte dos produtos do floricultor. Quando uma raça de plantas está fixada bastantemente, os horticultores não se dão mais ao trabalho de escolher as melhores plantas, contentam-se em visitar as plantas limites para apartar aquelas que voltaram ao tipo ordinário. Pratica-se também esta espécie de selecção com os animais, porque ninguém é

bastante negligente para permitir que os indivíduos defeituosos de um rebanho se reproduzam.

Há ainda um outro meio de observar os efeitos acumulados da selecção nas plantas; basta, com efeito, comparar, num canteiro, a diversidade das flores nas diferentes variedades de uma mesma espécie; numa horta, a diversidade de folhas, de vagens, de tubérculos, ou em geral da parte procurada das plantas hortícolas, relativamente às flores das mesmas variedades; e, enfim, num pomar, a diversidade de frutos de uma mesma espécie, comparativamente às folhas e às flores dessas mesmas árvores. Notai quanto diferem as folhas da Couve, e quanta semelhança na flor; quanto, ao contrário, são diferentes as flores do Amor-perfeito, e como as folhas são uniformes; como os frutos das diversas espécies de Groselheira diferem pelo tamanho, pela cor, pela forma e grau de vilosidade, e que pouca diferença nas flores. São apenas as variedades que diferem muito num ponto, não diferindo de resto em todos os outros, porque posso afirmar, após longas e cuidadosas observações, que isto jamais se

dá ou quase nunca. A lei da correlação do crescimento, de que não se deve esquecer a importância, arrasta quase sempre algumas diferenças; mas, em regra geral, não se pode duvidar que a selecção contínua de ligeiras variações, quer nas folhas, quer nas flores, quer nos frutos, não produza raças diferentes umas das outras, mais particularmente num dos órgãos.

Poder-se-ia objectar que o princípio da selecção tem sido reduzido à prática apenas há cerca de três quartos de século. Sem dúvida que este assunto, recentemente, tem merecido mais interesse e se têm publicado numerosas obras a seu respeito; 30

também os resultados têm sido, como era de esperar, rápidos e imPortantes; mas não é

permitido dizer-se que este princípio seja uma descoberta moderna. Eu poderia citar muitas obras de uma remota antiguidade provando que, desde então, se reconhecia a importância deste princípio. Temos a prova de que, mesmo durante os períodos bárbaros pelos quais tem passado a Inglaterra, se importavam muitas vezes animais de raça, e as leis proibiam a exportação; ordenava-se a destruição dos cavalos que não atingiam uma certa altura; o que se pode comparar ao trabalho que fazem os horticultores quando eliminam, entre os produtos das suas sementes, todas as plantas que tendam a desviar-se do tipo regular. Uma antiga enciclopédia chinesa formula nitidamente os princípios da selecção; certos autores clássicos romanos indicam algumas regras precisas; resulta de certas passagens do Génese que, desde esse antigo período, se prestava já alguma atenção à cor dosanimais domésticos. Ainda hoje os selvagens cruzam algumas vezes os seus cães com as espécies caninas selvagens para melhorar a raça; Plínio confirma que o mesmo se fazia outrora. Os selvagens da África Meridional aparelhamas suas juntas de bois pela cor; os Esquimós usam da mesma forma para as matilhas de cães. Livingstone constata que os negros do interior da África, que não têm relação alguma com os Europeus, avaliam em alto preço as boas raças domésticas.