É assim que, em todo o universo, as formas viventes se encontram divididas em grupos subordinados a outros grupos.

CAPITULO III

Luta pela existência

A sua influência sobre a selecção natural.-Esta palavra tomada em sentido figurado.

-Progressão geométrica do aumento dos individuos -Aumento rápido dos animais e das plantas aclimatados. Natureza dos obstáculos que impedem este aumento. -Concorrência universal. -Efeitos do clima.-O grande número de indivíduos torna-se uma protecção. -Relações complexas entre todos os animais e entre todas as plantas. -A luta pela existência é muito encarniçada entre os indivíduos e entre as variedades da mesma espécie, e muitas vezes também entre as espécies do mesmo género. -As relações de organismo para organismo são as mais importantes de todas as relações.

Antes de entrar na discussão do assunto deste capítulo, é bom indicar, ainda que resumidamente, qual a influência da luta pela existência sobre a selecção natural. Vimos no capítulo precedente, que existe uma certa variabilidade individual entre os seres organizados no estado selvagem; não creio, além disso, que este ponto tenha sido contestado. Pouco importa que se dê o nome de espécies, de subespécies ou de variedades a um conjunto de formas duvidosas; pouco importa, por exemplo, a ordem que se designa para duzentas ou trezentas formas duvidosas das plantas britânicas, visto que se admite a existência de variedades bem caracterizadas. Mas o único facto da existência de variabilidades individuais e de algumas variedades bem acentuadas, ainda que necessárias como ponto de partida para a formação das espécies, ajuda-nos muito pouco a compreender como se formam estas espécies no estado natural, como são aperfeiçoadas todas estas admiráveis adaptações de uma parte

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do organismo nas suas relações com outra parte, ou com as condições de vida, ou ainda as relações de um ser organizado com outro. As relações do picanço e do visco oferecem-nos um exemplo frisante destas admiráveis coadaptações. Talvez os exemplos, que vão seguirse, sejam um pouco menos surpreendentes, mas a coadaptação não existe menos entre o mais humilde parasita e o animal ou a ave com pêlos ou com penas às quais se prende; na estrutura do escaravelho que mergulha na água; no grão com pêlos que a mais leve brisa transporta; numa palavra, podemos notar admiráveis adaptações por toda a parte e em todas as partes do mundo organizado.

Pode ainda perguntar-se como é que as variedades, que eu chamo espécies nascentes, acabaram por se converter em espécies verdadeiras e distintas, as quais, na maior parte dos casos, diferem evidentemente muito mais umas das outras que as variedades de uma mesma espécie; como se formam estes grupos de espécies, que constituem o que se chamam géneros distintos, e que diferem mais uns dos outros que as espécies do mesmo género?

Todos estes efeitos, como explicaremos de maneira mais minuciosa no capítulo seguinte, dimanam de uma causa: a luta pela existência. Devido a esta luta, as variações, por mais fracas que sejam e seja qual for a causa de onde provenham, tendem a preservar os indivíduos de uma espécie e transmitem-se ordinariamente à descendência logo que sejam úteis a esses indivíduos nas suas relações infinitamente complexas com os outros seres organizados e com as condições físicas da vida. Os descendentes terão, por si mesmo, em virtude deste facto, maior probabilidade em persistir; porque, dos indivíduos de uma espécie nascidos periodicamente, um pequeno número pode sobreviver. Dei a este princípio, em virtude do qual uma variação, por insignificante que seja, se conserva e se perpetua, se for útil, o nome de selecção natural, para indicar as relações desta selecção com a que o homem pode operar. Mas a expressão que M. Herbert Spencer emprega: «a persistência do mais apto», é mais exacta e algumas vezes mais cómoda. Vimos que, devido à selecção, o homem pode certamente obter grandes resultados e adaptar os seres organizados às suas necessidades, acumulando as ligeiras mas úteis variações que lhe são fornecidas pela natureza. Mas a selecção natural, como veremos mais adiante, é um poder sempre pronto a actuar; poder tão superior aos fracos esforços do homem como as obras da natureza são superiores às da arte.

Discutamos agora, um pouco mais minuciosamente, a luta pela existência. Tratarei este assunto com os desenvolvimentos

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que merece numa obra futura. De Candolle, o velho, e Lyell demonstraram, com a sua habitual perspicácia, que todos os seres organizados têm que sustentar uma terrível concorrência. Ninguém tratou este assunto, relativamente às plantas, com mais elevação e talento que M. W. Herbert, deão de Manchéster; o seu profundo conhecimento de botânico punha-o em condições de o fazer com toda a autoridade. Nada mais fácil que admitir a verdade deste princípio: a luta universal pela existência; nada mais dífícil-e falo por experiêncía-do que ter este princípio sempre presente ao espírito; pois não sendo assim ou se vê mal toda a economia da natureza, ou se erra com respeito ao sentido que convém atribuir a todos os factos relativos à distribuição, à raridade, à abundância, à extinção e às variações dos seres organizados.