Kate e a sra. Julia estavam preocupadas achando que o senhor não viria! Boa noite, sra. Conroy.
— Acredito, respondeu Gabriel, mas elas esqueceram que a minha esposa aqui precisa de três horas inteiras para se vestir.
Gabriel ficou no tapete, tirando a neve das galochas, enquanto Lily acompanhou a esposa até o pé da escada e anunciou:
— Sra. Kate, aqui está a sra. Conroy!
No mesmo instante Kate e Julia desceram cambaleando pelo escuro lance de escadas. As duas beijaram a esposa de Gabriel, disseram que devia estar morrendo de frio e perguntaram se Gabriel tinha vindo.
— Aqui estou eu, infalível como o correio, Tia Kate! Mas podem subir. Eu já estou indo, disse Gabriel ainda no escuro.
Continuou esfregando os pés vigorosamente enquanto as três mulheres subiram rindo em direção ao vestiário feminino. Discretas franjas de neve cobriam os ombros do sobretudo como uma capa e a ponta das galochas como biqueiras; e, quando os botões do sobretudo deslizaram com um discreto rangido na frisa enrijecida pela neve, o perfumado ar da rua escapou das dobras e dos recônditos do tecido.
— Está nevando outra vez, sr. Conroy?, perguntou Lily.
Ela o havia acompanhado até a despensa para ajudá-lo a tirar o sobretudo. Gabriel riu das três sílabas com que Lily havia pronunciado o sobrenome e a encarou. Era uma moça esbelta, de tez pálida e com cabelos da cor do trigo. O gás na despensa fazia com que parecesse ainda mais pálida. Gabriel a conhecia desde pequena, quando costumava ficar sentada no degrau mais baixo da escada cuidando de uma boneca de pano.
— Está, Lily, e acho que vai continuar nevando a noite inteira.
Gabriel olhou para o teto da despensa, que balançava com o movimento e as passadas no andar de cima, escutou o piano por alguns instantes e a seguir olhou mais uma vez para a garota, que estava dobrando o sobretudo com todo o cuidado na ponta de uma estante.
— Lily, me diga uma coisa, perguntou de maneira amistosa, você ainda está na escola?
— Ah, não, senhor, respondeu ela. Terminei a escola vai fazer mais de um ano.
— Ah, disse Gabriel com animação, então acho que um belo dia desses vamos ver você casar com o seu escolhido, não?
A garota o encarou por cima do ombro e respondeu com profunda amargura:
— Os homens de hoje só querem saber de palavrório e de se aproveitar das meninas.
Gabriel enrubesceu como se percebesse o passo em falso e, sem olhar para ela, tirou as galochas com os pés e esfregou o cachecol com vontade nos sapatos de verniz.
Gabriel era um jovem robusto e de porte avantajado. O rubor das faces subia-lhe até a testa, onde se espalhava em manchas irregulares de um vermelho pálido; e no rosto liso cintilavam sem parar as lentes polidas e a reluzente armação dourada dos óculos que protegiam os olhos delicados e incansáveis. O cabelo preto e lustroso estava repartido ao meio e penteado em uma longa curva por trás das orelhas, onde fazia uma leve ondulação sob a marca deixada pelo chapéu.
Quando terminou de polir os sapatos, pôs-se de pé e puxou o colete para baixo a fim de ajustá-lo melhor ao corpo rechonchudo. Com um gesto rápido, tirou uma moeda do bolso.
— Ah, Lily, disse, enfiando a moeda nas mãos da criada, é Natal, não? Este é um... pequeno...
Gabriel caminhou depressa em direção à porta.
— Ah, não, senhor!, exclamou a garota enquanto o seguia. Senhor, eu não posso aceitar.
— É Natal! Natal!, disse Gabriel, quase troteando em direção à escada enquanto tentava afastar a modéstia de Lily com um gesto da mão.
A garota, vendo que o convidado havia ganhado as escadas, gritou:
— Muito obrigada, senhor!
Gabriel esperou do lado de fora da sala de estar até que a valsa terminasse, escutando o fru-fru das saias e o rumor dos passos. Ainda sentia-se desconcertado pela resposta amarga e repentina da garota. Aquelas palavras haviam projetado uma sombra que tentou dissipar ajustando os punhos da camisa e os laços da gravata. Depois pegou um papelzinho que estava no bolso do colete e olhou para os tópicos que havia selecionado para o discurso. Estava indeciso em relação aos versos de Robert Browning, pois temia que estivessem além da compreensão da plateia. Citações reconhecíveis de Shakespeare ou das melodias irlandesas de Thomas Moore seriam uma ideia melhor. Os estalos indelicados dos saltos dos homens e o rumor das solas dos sapatos lembrou-o de que o nível de cultura dos convidados era muito diferente do seu. Apenas faria papel de ridículo citando poemas que não pudessem entender. Daria a impressão de estar ostentando a educação superior. Fracassaria com os convidados como havia fracassado com a garota na despensa. Gabriel havia errado na escolha do tom. O discurso era um equívoco do começo ao fim, um fracasso absoluto.
Nesse instante as tias e a esposa saíram do vestiário feminino.
1 comment