Ela havia tirado o chapéu e a capa e estava diante de um grande espelho de chão, desprendendo a cintura. Gabriel deteve-se por alguns momentos a fim de observá-la e então disse:
— Gretta!
Ela desviou o olhar do espelho devagar e caminhou ao longo da listra de luz em direção a ele. O rosto tinha uma expressão tão séria e tão cansada que as palavras não conseguiram sair dos lábios de Gabriel. Não, o momento ainda não havia chegado.
— Você parece cansada, disse.
— Estou um pouco, respondeu ela.
— Mas você não está se sentindo doente nem fraca?
— Não, apenas cansada: nada mais.
Gretta foi até a janela e ficou lá parada, olhando para a rua. Gabriel esperou mais um pouco e, temendo que a dúvida o vencesse, disse de repente:
— A propósito, Gretta!
— O que foi?
— Você sabe aquele pobre sujeito chamado Malins?, perguntou Gabriel.
— Sei. O que tem?
— Ah, coitado, no fundo ele é um bom sujeito, disse Gabriel com uma nota de falsidade na voz. Ele me devolveu o soberano que eu tinha emprestado, e eu nem estava esperando. Uma pena que tenha passado o tempo inteiro ao lado daquele Browne, porque no fundo ele não é má pessoa.
Gabriel estava tremendo de irritação. Por que parecia tão distraído? Não sabia por onde começar. Será que ela também estava irritada com alguma coisa? Se ao menos se aproximasse ou o procurasse por vontade própria! Possuí-la naquele instante seria brutal. Não, primeiro seria necessário despertar uma chama no olhar. Gabriel ansiou por dominar aquela estranha disposição.
— Quando você emprestou essa libra?, perguntou ela depois de um tempo.
Gabriel precisou controlar-se para não explodir em um surto de imprecações brutais sobre o bêbado Malins e a libra emprestada. Queria chamá-la com todas as profundezas da alma, estreitá-la contra o próprio corpo, dominá-la. No entanto, disse:
— Ah, no Natal, quando ele abriu aquela lojinha de cartões de Natal na Henry Street.
A febre e a raiva e o desejo que tomavam conta de Gabriel impediram-no de ver que ela havia se afastado da janela. Parou diante do marido por um instante, encarando-o com um estranho olhar. E de repente, se erguendo na ponta dos pés e pousando as mãos de leve nos ombros dele, ela o beijou.
— Você é muito generoso, Gabriel, disse.
Gabriel, tremendo de êxtase com o beijo inesperado e a estranheza da frase, levou as mãos aos cabelos dela e começou a acariciá-los para trás, quase sem encostar os dedos nos fios. A lavagem havia-os deixado sedosos e brilhantes. O coração de Gabriel transbordava de felicidade. Bem quando o desejo havia surgido ela se aproximou por vontade própria. Talvez estivesse pensando a mesma coisa. Talvez houvesse sentido o ímpeto daquele desejo e resolvido se entregar. Depois de vê-la sucumbir com tamanha facilidade ele se perguntou por que havia ficado em dúvida.
Gabriel segurou a cabeça dela entre as mãos. Em seguida, deslizando um braço ao redor do corpo para tê-la mais perto de si, perguntou com uma voz mansa:
— Gretta, querida, no que você está pensando?
Ela não respondeu nem se entregou àquele abraço. Mais uma vez ele perguntou com uma voz mansa:
— Gretta, me diga o que é. Eu acho que sei no que você está pensando. Será?
Ela não respondeu de pronto. Mas, passados alguns instantes, disse em meio a uma torrente de lágrimas:
— Ah, eu estou pensando naquela música, The Lass of Aughrim.
Ela se afastou e atirou-se em cima da cama e, com os braços ao redor do estrado, escondeu o rosto. Por um instante a surpresa o paralisou, mas logo Gabriel a seguiu. Quando passou em frente ao espelho percebeu o reflexo da própria imagem, da camisa larga e bem estufada, da expressão que sempre o intrigava quando a via num espelho e dos óculos de armação dourada. Deteve-se a alguns passos da cama e disse:
— O que tem a música? Por que você está chorando?
Ela tirou a cabeça de entre os braços e enxugou as lágrimas com as costas da mão, como uma menina.
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