É bem capaz de cair de surpresa em cima de nós e acabar conosco. Viu como ele matou o nosso companheiro no parque?

— Nunca mais vou esquecer, John. Não parecia um homem e, sim, um gigante, pronto para fazer todos nós em pedacinhos. Você acha que vamos conseguir agarrá-lo?

— Tenho as minhas dúvidas, apesar de o baronete William Rosenthal ter prometido cinquenta libras novinhas pela cabeça dele. Enquanto todos nós o seguíamos em direção ao oeste, para impedir que embarcasse em algum praho, talvez ele tenha ido para o norte ou para o sul.

— Mas amanhã ou depois, no mais tardar, um cruzador deve sair para impedir que ele fuja.

— Tem razão, amigo. Mas o que vamos fazer agora?

— Primeiro temos que chegar à costa e, depois, veremos.

— Não vamos esperar o sargento Willis, que está vindo atrás de nós?

— Melhor esperar na costa.

— Tomara que a gente escape do pirata. Vamos lá, agora em marcha de novo.

Os dois soldados deram uma última olhada em redor e voltaram a se arrastar em direção ao oeste, desaparecendo nas sombras da noite.

Sandokan, que não perdera uma única sílaba daquela conversa, esperou cerca de meia hora e então deslizou lentamente para o chão.

— Está bem — disse ele. — Que todos me sigam para o ocidente; eu vou desviar sempre para o sul, onde já sei que não vou encontrar nenhum inimigo. Mas tenho que ficar atento. O sargento Willis está nos meus calcanhares.

Recomeçou sua marcha silenciosa, se dirigindo para o sul, atravessou de novo o riacho e abriu passagem através de uma sólida cortina de plantas.

Estava prestes a contornar uma enorme árvore de cânfora, que impedia a passagem, quando uma voz ameaçadora e imperiosa gritou:

— Se der mais um passo, se fizer um gesto, mato você como se fosse um cão!

11. Giro-Batol

O pirata, sem se espantar com aquela intimação brusca que poderia lhe custar a vida, se virou lentamente, apertando o sabre e se preparando para usá-lo.

A seis passos dele, um homem, um soldado, sem dúvida o sargento Willis mencionado há pouco pelos dois caçadores de pistas, se levantou de trás de um arbusto e mantinha com frieza o pirata na mira,

resolvido a seguir ao pé da letra a ameaça, pelo que parecia.

Sandokan olhou tranquilamente, mas com olhos que soltavam faíscas no meio daquela escuridão profunda, e caiu na risada.

— Por que você está rindo? — perguntou o sargento, des-concertado e espantado. — Parece que este não é o melhor momento para isso.

— Estou rindo porque acho estranho que você ouse me ameaçar de morte — respondeu Sandokan. — Você sabe quem sou eu?

— O chefe dos piratas de Mompracem.

— Mas não tem muita certeza? — perguntou o pirata, cuja voz sibilava de um jeito estranho.

— Oh! Posso apostar uma semana de soldo contra um centavo que não estou enganado.

— É verdade, sou o Tigre da Malásia!

— Ah!...

Os dois homens, Sandokan sarcástico, ameaçador, seguro de si, e o outro, assustado por se encontrar sozinho diante daquele homem, cuja valentia era legendária, mas resolvido a não desistir da captura, se olharam em silêncio por alguns minutos.

— Vamos lá! Venha me prender, Willis — disse Sandokan.

— Willis! — exclamou o soldado, tomado por um terror supersticioso. — Como você sabe o meu nome?

— Um homem que fugiu do inferno sabe de tudo — disse o Tigre, com um gesto de desprezo.

— Você me assusta.

— Assusto! — exclamou Sandokan. — Willis, então acho que você deveria saber que estou vendo sangue!...

O soldado, que abaixara o fuzil surpreso e amedrontado, não sabendo mais se o que tinha diante de si era um homem ou um demônio, deu uns passos para trás, sempre tomando o cuidado de manter o pirata na mira, mas Sandokan, que também não o perdia de vista, com um salto estava em cima dele e o derrubou no chão.

— Piedade! Piedade! — balbuciava o pobre sargento, vendo à sua frente a ponta do sabre.

— Vou poupar a sua vida — disse Sandokan.

— Posso acreditar nisso?

— O Tigre da Malásia não faz promessas falsas. Levante e me escute.

O sargento se ergueu, tremendo e fixando em Sandokan dois olhos assustados.

— Fale — disse.

— Eu disse que ia poupar a sua vida, mas você tem que responder a todas as perguntas que eu fizer.

— Vou tentar.

— Para onde acham que eu fugi?

— Para a costa ocidental.

— Quantos homens estão atrás de mim?

— Não posso dizer, seria uma traição.

— Tem razão; não o censuro, pelo contrário, eu o respeito por isso.

O sargento olhou atônito para ele.

— Que espécie de homem é você? — perguntou. — Eu pensei que devia ser um assassino miserável, mas estou vendo que estávamos todos errados.

— Tanto faz. Tire as suas divisas.

— O que vai fazer com elas?

— Vão me ser úteis para fugir, só isso. Há soldados indianos entre os que estão me seguindo?

— Há, sim, alguns sipais.

— Está bem: tire o uniforme e não resista se quiser que a gente se separe como bons amigos.

O soldado obedeceu. Sandokan, bem ou mal, vestiu o uniforme, amarrou a adaga e a cartucheira, pôs o chapéu na cabeça e jogou a carabina a tiracolo.

— Vou amarrar você agora — disse então ao soldado.

— Você quer que eu seja devorado pelos tigres?

— Bah! Os tigres não são tantos assim como você pensa. E eu preciso tomar as minhas providências para não ser traído.

Agarrou com força o soldado, que nem sonhava em resistir, e o amarrou a uma árvore com uma corda sólida; finalmente se afastou a passos rápidos, sem olhar para trás.

— Tenho que me apressar — disse. — Preciso chegar à costa e embarcar esta noite, amanhã pode ser muito tarde. Talvez com este uniforme seja mais fácil fugir dos meus perseguidores e embarcar em algum barco que vá direto às Romades. De lá, posso chegar a Mompracem e, então... Ah! Marianna, você vai me rever logo, mas como o único vencedor!...

Ao pensar quase involuntariamente naquele nome, as feições do pirata se endureceram e se contraíram dolorosamente. Levou a mão ao coração e suspirou.

— Silêncio, silêncio — murmurou ele com voz cavernosa. — Pobre Marianna, quem sabe que emoções estão agitando o seu coração neste momento. Talvez ache que estou vencido, ferido ou acorrentado como um animal feroz, talvez até morto.

Daria o meu sangue, gota a gota, para poder estar com ela por um único instante, só para que ela visse que o Tigre ainda está vivo e vai voltar!

Vamos lá, muita coragem, porque eu vou precisar. Esta noite vou abandonar essas praias nada acolhedoras, levando comigo o juramento que ela me fez, e volto para a minha ilha selvagem.

E o que vou fazer depois? Dou adeus à minha vida de aventureiro, à minha ilha, aos meus piratas, ao meu mar? Jurei isso a ela e por aquela criatura sublime, que foi capaz de acorrentar o coração inacessível do Tigre da Malásia, eu faria qualquer coisa.

Quieto, não posso mais falar nela, se não, enlouqueço. Coragem, vamos continuar.

Recomeçou a caminhar em um ritmo mais acelerado, comprimindo o peito com força, como se quisesse sufocar as batidas aceleradas do coração.

Andou durante a noite toda, ora atravessando grupos de árvores gigantescas, ora pequenas florestas ou pradarias cheias de riachos e de pântanos, tentando se orientar pelas estrelas.

Ao nascer do sol parou perto de uma mata de durions colossais, para descansar um pouco e se certificar de que o caminho continuava livre.

Estava prestes a se ocultar no meio de um canteiro de trepadeiras, quando ouviu uma voz gritar:

— Ei, camarada! O que está procurando lá dentro? Cuidado, porque pode ter algum pirata bem pior do que os tigres da sua terra.

Sem se mostrar surpreso, certo de que nada tinha a temer enquanto estivesse com aquelas roupas, Sandokan se voltou tranquilamente e viu dois soldados ali perto, deitados embaixo da sombra fresca de uma areca.