Mas quem sabe!... — Voltou a caminhar e não falou mais.

Cerca de meia hora se passou, durante a qual os dois prahos mantiveram uma velocidade de cinco nós, depois a voz da Aranha dos Mares se fez ouvir mais uma vez.

— Capitão, é um junco! — gritou. — Cuidado, fomos avistados e ele está virando de bordo.

— Ah! — exclamou Sandokan. — Ei! Giro-Batol, manobre de forma a impedir que ele fuja.

Um momento depois, os dois navios se separavam e, após descrever um amplo semicírculo, foram a todo pano de encontro ao navio mercante.

Era uma daquelas embarcações pesadas, chamadas juncos, de formas atarracadas e solidez duvidosa, usadas nos mares da China.

Assim que percebeu a presença daqueles dois navios suspeitos, contra os quais não podia usar velocidade na luta, deteve-se e hasteou um grande pano.

Ao ver aquele estandarte, Sandokan deu um salto à frente.

— A bandeira do rajá Brooke, o exterminador de piratas! — exclamou, com intraduzível tom de ódio. — Filhotes de Tigre! Abordar! Abordar!...

Um urro selvagem e feroz se levantou das duas tripulações que conheciam bem a fama do inglês James Brooke, que recebera o título de rajá de Sarawak, inimigo impiedoso dos piratas, muitos dos quais haviam caído sob seus golpes.

De um pulo, Patan alcançou o canhão de proa, enquanto os outros apontavam a balista e armavam as carabinas.

— Devo começar? — perguntou a Sandokan.

— Sim, mas que a sua bala não se perca.

— Está bem!

De repente, uma detonação soou a bordo do junco e uma bala de pequeno calibre atravessou as velas com um apito agudo.

Patan se inclinou sobre o seu canhão e abriu fogo. O efeito foi imediato: o mastro principal do junco, que se partira na base, oscilou vigorosamente para frente e para trás e caiu na coberta, levando as velas e todos os cordames.

A bordo do infeliz barco viam-se homens correndo para os costados e desaparecendo.

— Olhe, Patan! — gritou a Aranha dos Mares.

Um pequeno bote, carregando seis homens, se soltara do junco e fugia para as Romades.

— Ah! — exclamou Sandokan irado. — São homens que fogem em vez de lutar! Patan, atire naqueles seres desprezíveis!

O malásio lançou na altura da água uma chuva de metralha que afundou o bote, fulminando todos os que estavam a bordo.

— Bravo, Patan! — gritou Sandokan. — E agora, tose e deixe aquele barco como uma barcaça, ainda ficou uma tripulação numerosa lá. Depois mandaremos consertá-lo nos canteiros do rajá, se é que ele tem!

Os dois navios corsários retomaram a melodia infernal, arremessando balas, granadas e chuvas de metralha contra o pobre barco, rachando o mastro de traquete, rompendo os costados e as costelas, cortando o massame e matando os marinheiros que se defendiam desesperadamente a tiros de fuzis.

— Bravo! — exclamou Sandokan, que admirava a coragem daqueles homens que ficaram no junco.

— Vamos, atirem a âncora para nós! Vocês são dignos de combater o Tigre da Malásia!

Os dois navios corsários envolvidos por nuvens de fumaça, das quais saltavam raios, não paravam de avançar e, em poucos instantes, estavam ao lado do junco.

— Barra do leme a sotavento! — gritou então Sandokan, que empunhara a cimitarra.

Seu navio abordou o barco mercante a bombordo e continuou atracado a ele, após terem sido lançados os arpéus de abordagem.

— Filhotes, atacar! — trovejou o terrível pirata.

Encolheu-se sobre si mesmo, como um tigre prestes a se lançar sobre sua presa, e fez menção de saltar, quando uma mão robusta o deteve.

Voltou-se, soltando um urro de raiva, mas o homem que ousara detê-lo saltara à frente, cobrindo-o com o próprio corpo.

— Você, Aranha dos Mares! — gritou Sandokan, erguendo contra ele a cimitarra.

Exatamente naquele instante, um tiro de fuzil partia do junco e a pobre Aranha caía fulminado sobre a ponte.

— Ah! Obrigado, meu filhote —, disse Sandokan. — Queria me salvar!

Arremessou-se à frente como um touro ferido, aferrou-se à boca de um canhão, içou-se para a ponte do junco e precipitou-se entre os combatentes com aquela louca temeridade que todos admiravam.

A tripulação inteira do navio mercante se jogou para cima dele tentando impedir seu avanço.

— Venham a mim, filhotes! — gritou ele, abatendo dois homens com o reverso da cimitarra.

Dez ou doze piratas, subindo pelos equipamentos como macacos e saltando o costado, se lançaram na coberta, enquanto o outro praho jogava os arpéus de abordagem.

— Rendam-se! — gritou o Tigre aos marinheiros do junco.

Os sete ou oito homens que ainda sobreviviam, vendo outros piratas invadirem a coberta, jogaram as armas.

— Quem é o capitão? — perguntou Sandokan.

— Eu — respondeu um chinês, dando um passo à frente, trêmulo.

— Você é um bravo e seus homens são dignos de você — disse Sandokan. — Aonde iam?

— A Sarawak.

Uma ruga profunda se desenhou na ampla testa do pirata.

— Ah! — exclamou em voz surda. — Você vai a Sarawak. E o que anda fazendo o rajá Brooke, o exterminador de piratas?

— Não sei, estou longe de Sarawak há muitos meses.

— Não importa, mas quero que diga a ele que um dia lançarei âncora naquela baía para esperar os navios dele. Veremos, então, se o exterminador de piratas é capaz de vencer os meus homens.

Nesse momento, arrancou do pescoço uma fieira de diamantes no valor de trezentas ou quatrocentas mil liras e, estendendo-a ao capitão do junco, disse:

— Fique com ela, marinheiro valente. Não estou feliz por ter destruído o junco que você defendeu tão bem, mas, com esses diamantes, você pode comprar mais dez novos.

— Mas quem é o senhor? — perguntou o capitão, estupefato.

Sandokan se aproximou e, apoiando a mão no ombro dele, disse:

— Olhe bem para mim, sou o Tigre da Malásia.

Em seguida, antes que o capitão e seus marinheiros pudessem se recuperar do aturdimento e do terror em que se encontravam, Sandokan e os piratas já haviam retornado aos seus navios.

— Rota? — perguntou Patan.

O Tigre estendeu o braço para o leste e depois, numa voz metálica, na qual se percebia uma grande vibração, gritou:

— Filhotes de tigre, para Labuan! Para Labuan! 

 

 


 


 

Dois exemplos de prahos com o flutuador lateral típico.

 

 


 

— Olhe bem para mim, sou o Tigre da Malásia.

3. O cruzador

Abandonando o junco arruinado e completamente desprovido de mastros que, no entanto, não corria o risco de afundar ao menos no momento, os dois navios corsários retomaram o curso para Labuan, a ilha habitada por aquela moça de cabelos de ouro que Sandokan queria ver a qualquer custo.

O vento noroeste e bastante fresco se mantinha,

e o mar ainda estava tranquilo, favorecendo o trajeto dos dois prahos que navegavam a dez ou onze nós por hora.

Depois de mandar reparar a ponte, reatar os massames cortados pelas balas inimigas, jogar ao mar o cadáver da Aranha e de outro pirata morto numa troca de tiros, e carregar os fuzis e as balistas, Sandokan acendeu um fantástico narguilé, proveniente, sem dúvida, de algum bazar indiano ou persa, e chamou Patan.

O malaio obedeceu prontamente.

Diga, malaioordenou o Tigre, com uma expressão de dar medovocê sabe como a Aranha dos Mares morreu?

Seirespondeu Patan estremecendo ao ver a expressão de poucos amigos do pirata.

Você sabe qual é o seu posto quando eu subo para a abordagem?

Atrás do senhor.

Você não estava aqui e a Aranha morreu no seu lugar.

É verdade, capitão.

Eu deveria mandar fuzilá-lo por causa disso, mas você é um bravo e não gosto de sacrificar inutilmente os corajosos. Na primeira abordagem você vai ficar à frente dos meus homens para ser o primeiro a morrer.

Obrigado, Tigre.

Sabauchamou Sandokan.

Outro malaio, com uma ferida profunda que ia de um lado ao outro do rosto, se apresentou.

Você foi o primeiro a saltar para o junco depois de mim?perguntou Sandokan.

Fui, Tigre.

Está bem. Depois que Patan morrer, você o substitui no comando.

Dito isso, atravessou a ponte a passos lentos e desceu para a sua cabine situada na popa.

Durante o dia, os dois prahos continuaram a velejar naquele pedaço de mar entre Mompracem e as Romades a oeste, a costa de Bornéu a leste e nordeste, e Labuan e as Três Ilhas ao norte, sem encontrar nenhum navio mercante.

A fama sinistra de que gozava o Tigre se espalhara por aqueles mares e pouquíssimas embarcações ousavam se aventurar por tais lugares. A maioria fugia daquelas paragens, escorraçada continuamente pelos navios corsários, e se mantinha ao abrigo das costas, pronta a desembarcar em terra ao primeiro sinal de perigo para salvar ao menos a vida.

Assim que a noite caiu, os dois barcos reduziram as duas velas grandes para se prevenir dos golpes de vento inesperados, e se aproximaram para não correrem o risco de perder contato, e ficarem preparados para prestar socorro um ao outro.

Perto da meia-noite, no momento em que passavam diante das Três Ilhas, que são as sentinelas avançadas de Labuan, Sandokan subiu à ponte.

Continuava tomado por uma viva agitação. Começou a caminhar da proa à popa, com os braços cruzados, fechado em um silêncio feroz. Mas, de vez em quando, parava para observar a negra superfície do mar, subia no costado para abarcar um horizonte maior e a seguir se curvava e ficava à escuta. O que estava tentando ouvir? Talvez o protesto de alguma máquina que indicasse a presença de um cruzador, ou então o fragor das ondas rompendo na costa de Labuan?

Às três da madrugada, quando as estrelas começavam a empalidecer, Sandokan gritou:

Labuan!

De fato, a leste, lá onde o mar se confundia com o horizonte, aparecia confusamente uma linha sutil e escura.

Labuanrepetiu o pirata, respirando como se tivessem tirado um grande peso do coração.

Vamos continuar navegando à frente?perguntou Patan.

Vamosrespondeu o Tigre.Vamos entrar no pequeno rio que você já conhece.

O comando foi transmitido a Giro-Batol e os dois navios se dirigiram em silêncio para a ilha desejada.

Labuan, cuja superfície não ultrapassa 116 quilômetros quadrados, naquele tempo não era a importante estação naval que é hoje.

Ocupada em 1847 por Sir Rodney Mandy, comandante do Íris, por ordem do governo inglês, que pretendia suprimir a pirataria, não contava na época com mais de mil habitantes, quase todos da raça malaia e, talvez, uns duzentos brancos.

Só então foi fundada uma cidadela à qual deram o nome de Vitória, munindo-a de alguns pequenos fortes para impedir a sua destruição pelos piratas de Mompracem que, muitas vezes, haviam devastado sua costa. O resto da ilha era recoberto por uma mata fechada, ainda povoada por tigres, e só raras feitorias haviam sido estabelecidas nas colinas ou nos prados.

Os dois prahos, depois de costear a ilha por algumas milhas, se embrenharam silenciosamente por um pequeno rio, cujas margens eram cobertas por uma vegetação riquíssima, e subiram seiscentos ou setecentos metros, ancorando à sombra escura das grandes árvores.

Um cruzador que houvesse batido a costa não teria conseguido descobri-los, nem poderia sequer suspeitar da presença daqueles filhotes de tigre das Sunderbunds indianas.

Ao meio-dia, após ter enviado dois homens à foz do rio e dois outros às florestas para não ter nenhuma surpresa, Sandokan desembarcou armado com sua carabina e acompanhado por Patan.

Percorrera cerca de um quilômetro mata adentro quando parou bruscamente ao pé de um colossal durion, cujas frutas deliciosas, ásperas por causa das pontas duríssimas, se agitavam sob as bicadas de um bando de tucanos.

O senhor viu alguma coisa?perguntou Patan.

Não, escuterespondeu Sandokan.

O malaio esticou a orelha e ouviu um latido ao longe.

Deve ser alguém caçandodisse, se reerguendo.

Vamos ver.

Retomaram o caminho, se enfiando pelas pimenteiras, cujos ramos estavam carregados de cachos vermelhos, pelos artocarpus, ou árvores-do-pão, e pelas arecas, entre cujas folhas perambulavam batalhões de lagartos voadores.

Os latidos dos cães se aproximavam cada vez mais, e não demorou muito para que os dois piratas se encontrassem na presença de um negro enorme, vestido com calções vermelhos, e trazendo um mastim atrelado.

Aonde está indo?perguntou Sandokan, barrando-lhe a passagem.

Estou procurando a pista de um tigrerespondeu o negro.

E quem lhe deu permissão de caçar nos meus bosques?

Estou a serviço de Lorde Guldek.

Está bem! Diga, maldito escravo, já ouviu falar de uma moça que todos chamam de Pérola de Labuan?

Quem nesta ilha não conhece aquela bela criatura? Ela é o gênio bom de Labuan que todos nós amamos e adoramos.

É bonita?perguntou Sandokan com viva emoção.

Acho que nenhuma outra dama consegue chegar aos seus pés.

Um forte estremecimento agitou o Tigre da Malásia.

Respondarecomeçou ele depois de um instante de silênciosabe onde ela mora?

A dois quilômetros daqui, no meio de uma pradaria.

Isso basta; vá embora e, se tem amor à vida, não vire para trás.

Deu-lhe um punhado de ouro e, quando o negro desapareceu, se jogou aos pés de um grande artocarpus, murmurando:

Vamos esperar a noite para observar os arredores.

Patan o imitou e se deitou à sombra de uma areca, mas conservando a carabina à mão.

Deviam ser nove horas da noite quando um acontecimento imprevisto interrompeu as expectativas deles.

Um disparo de canhão ecoou na direção da costa, calando bruscamente todas as aves que habitavam os bosques.

De um pulo Sandokan ficou em pé, com a carabina entre as mãos, totalmente desfigurado.

Um tiro de canhão!exclamou.Venha, Patan; estou vendo sangue!...

Disparou como um tigre pela floresta, seguido pelo malaio que, embora ágil como um cervo, tinha dificuldade em segui-lo.

 

 


 

Disparou como um tigre pela floresta...

4. Tigres e leopardos

Em menos de dez minutos os dois piratas alcançaram a margem do pequeno rio. Todos os homens tinham subido a bordo dos prahos e estavam abaixando as velas, já que não havia mais vento.

O que aconteceu?perguntou Sandokan, saltando para a ponte.

Capitão, fomos atacadosdisse Giro-Batol.

Um cruzador estava barrando o caminho na foz do rio.

Ah!disse o Tigre.Esses ingleses estão querendo me atacar até aqui? Muito bem, filhotes, peguem suas armas e vamos para o mar. Quero mostrar a esses homens como combatem os Tigres de Mompracem!

Viva o Tigre!berraram as duas tripulações, com um entusiasmo aterrorizante.Abordar! Abordar!

No instante seguinte os dois navios desciam o pequeno rio e três minutos mais tarde saíam em mar aberto.

A seiscentos metros da costa, uma enorme embarcação, capaz de transportar mil e quinhentas toneladas e fortemente armada, navegava devagar, impedindo o caminho para oeste.

Sobre a ponte ouviam-se rufar os tambores que chamavam os homens aos postos de combate e os comandos dos oficiais.

Sandokan observou friamente aquele poderoso adversário e, em vez de se assustar com o tamanho, com os numerosos artilheiros e com a tripulação três, ou talvez quatro vezes maior, trovejou:

Filhotes, aos remos!

Os piratas se precipitaram para baixo da ponte e agarraram os remos, enquanto os artilheiros assentavam os canhões e as balistas.

Agora é entre nós dois, barco maldito — disse Sandokan, quando viu os prahos deslizando como flechas sob o impulso dos remos.

De repente, um jato de fogo lampejou na ponte do cruzador e uma bala de grande calibre passou assobiando entre os mastros do praho.

Patan!gritou Sandokan.Para o canhão.

O malaio, que era um dos melhores atiradores de toda a pirataria, pôs fogo na sua arma. O projétil se distanciou com um assobio e foi destroçar o mastro da bandeira do cruzador.

O navio de guerra, em vez de responder, virou de bordo, exibindo as portinholas de bombordo, das quais saíam as extremidades de uma meia dúzia de canhões.

Patan, não perca nenhum disparodisse Sandokan, enquanto uma descarga de canhões ribombava sobre o praho de Giro-Batol.Acabe com os mastros daquele maldito, estoure as rodas de proa, destrua os panos e, quando ele não tiver mais controle, acabe com ele.

Naquele instante, o cruzador pareceu se incendiar. Um furacão de ferro atravessou o ar e atingiu em cheio os dois prahos e os deixou como duas barcaças.

Uivos tremendos de raiva e dor se ergueram entre os piratas, sufocados por uma segunda canhonada que mandou de pernas para o ar remadores, artilharia e artilheiros.

Isso feito, o navio de guerra, envolto em um turbilhão de fumaça negra e branca, virou de bordo a menos de quatrocentos passos dos prahos e se distanciou um quilômetro, pronto para recomeçar a atirar.

Sandokan, que ficara ileso, embora imobilizado por uma verga, imediatamente se pôs de pé.

Miserável!trovejou ele, mostrando os punhos ao inimigo.Covarde, você está fugindo, mas nós vamos pegá-lo!

Com um apito, chamou seus homens à coberta.

Rápido, façam uma barricada na frente dos canhões e vamos avançar!

Num instante, na proa dos dois navios foram acumulados mastros sobressalentes, tonéis cheios de balas, canhões velhos desmontados e destroços de todo tipo que formaram uma sólida barricada.

Vinte homens, os mais robustos, desceram novamente para manobrar os remos, enquanto os outros se aglomeraram atrás das barricadas, com as mãos crispadas em torno das carabinas e os dentes apertados nos punhais que cintilavam entre os lábios vibrantes.

À frente!comandou o Tigre.

O cruzador interrompera sua marcha de retirada e se movia lentamente, vomitando torrentes de fumaça negra.

Fogo à vontade!gritou o Tigre.

Ambas as partes recomeçaram a música infernal, respondendo golpe com golpe, bala com bala, metralha com metralha.

Os três navios, decididos a sucumbir, mas não a desistir, quase não podiam mais ser vistos, envoltos como estavam em imensas nuvens de fumaça que uma calmaria obstinada mantinha sobre as pontes, mas rugiam com igual furor, e raios sucediam a raios e detonações, a detonações.

O vaso de guerra contava com a vantagem do seu volume e da sua artilharia, mas os dois prahos, que o corajoso Tigre conduzia à abordagem, não cediam. Podados como uma barcaça, furados em cem lugares, dilacerados, irreconhecíveis, já com água nos porões e muitos mortos e feridos nas cobertas, continuavam avançando, apesar da contínua tempestade de balas.

O delírio se apossara daqueles homens e eles não queriam outra coisa senão subir à ponte daquela nau assustadora e, se não pudessem vencer, pelo menos morreriam no campo inimigo.

Patan, fiel à palavra dada, foi morto atrás de seu canhão, mas outro hábil artilheiro ocupara seu posto; homens haviam caído e outros ainda, terrivelmente feridos, com braços ou pernas decepados, se debatiam desesperados entre jorros de sangue.

Um canhão fora desmantelado no praho de Giro-Batol e uma balista quase não atirava mais, mas o que importava?

Na ponte dos dois barcos havia outros tigres com sede de sangue que cumpriam corajosamente seu dever.

Estilhaços assobiavam sobre aqueles homens valentes, arrancavam braços e rompiam peitos, rasgavam as pontes, destroçavam os costados, despedaçavam tudo o que encontrasse pelo caminho, mas ninguém falava em retirada; muito pelo contrário, insultavam o inimigo e o desafiavam. E quando um golpe de vento desimpedia aqueles pobres navios das nuvens que os encobriam, podiam ser vistas, atrás das barricadas semidestruídas, irreconhecíveis e crispados pelo furor, olhos injetados de sangue que soltavam fogo a cada lampejar da artilharia, dentes que rangiam sobre as lâminas dos punhais e, no meio daquela horda de verdadeiros tigres, seu líder, o invencível Sandokan, com a cimitarra em punho, o olhar ardente e os longos cabelos soltos sobre os ombros, encorajando os combatentes com uma voz que ressoava como um trompete entre o ribombar dos canhões.

A terrível batalha durou vinte minutos, e depois o cruzador se afastou mais seiscentos metros para trás, para evitar a abordagem.

Um urro de fúria explodiu a bordo dos dois prahos com aquela nova retirada.