O principal motivo da recusa era a impossibilidade de obedecer a um partido, a um

chefe, a um regimento de câmara. Se houvesse liberdade de alterar as horas da sessão, uma de manhã,

outra de noite, outra de madrugada, ao acaso da freqüência, sem ordem do dia, com direito de discutir o

anel de Saturno ou os sonetos de Petrarca, o meu erradio Elisiário aceitaria o cargo, contanto que não

fosse obrigado a estar calado, nem a falar, quando lhe chegasse a vez.

Aí tens o que era esse homem fotografado em 1862. Em suma, boa critura, muito talento, excelente

conversador, alma inquieta e doce, desconfiada e irritadiça, sem futuro nem passado, sem saudades nem

ambições, um erradio. Senão quando. . . Mas é muito falar sem fumar um charuto... Consentes? Enquanto

acendo o charuto, olha para esse retrato, descontando-lhe os olhos, que não saíram bem; parecem olhos de

gato e inquisidor, espetados na gente, como querendo furar a consciência. Não eram isso; olhavam mais

para dentro que para fora, e quando olhavam para fora derramavam-se por toda a parte.

Senão quando, uma tarde, já escuro, por volta das sete horas apareceu-me na casa de pensão o meu amigo

Elisiário. Havia três semanas que o não via, e, como tratava de fazer exames, e passava mais tempo

metido em casa, não me admirei da ausência nem cuidei dela. Demais, já me acostumara aos seus

eclipses. O quarto estava escuro, eu ia sair e acabava de apagar a vela, quando a figura alta e magra do

Elisiário apareceu à porta. Entrou, foi direito a uma cadeira, sentei-me ao pé dele, perguntei-lhe por onde

andara. Elisiário abraçou-me chorando. Fiquei tão assombrado que não pude dizer nada; abracei-o

também, ele enxugou os olhos com o lenço, que de costume trazia fechado na mão, e suspirou largo.

Creio que ainda chorou silenciosamente, porque enxugava os olhos de quando em quando. Eu, cada vez

mais assombrado, esperava que ele me dissesse o que tinha; afinal murmurei:

— Que é? que foi?

—Tosta, casei-me sábado.

Cada vez mais espantado, não tive tempo de lhe pedir outra explicação, porque o Elisiário continuou logo,

dizendo que era um casamento de gratidão, não de amor, uma desgraça. Não sabia que respondesse à

confidência, não acabava de crer na notícia, e principalmente, não entendia o abatimento nem a dor do

homem. A figura do Elisiário, qual a recompus depois, não me aparecia por esse tempo com a

significação verdadeira. Cheguei a supor alguma cousa mais que o simples casamento; talvez a mulher

fosse idiota ou tísica; mas quem o obrigaria a desposar uma doente?

"Uma desgraça! repetia baixinho, falando para si, uma desgraça!"

Como eu me levantasse dizendo que ia acender uma vela, Elisiário reteve-me pela aba do fraque.

— Não acenda, não me vexe, o escuro é melhor, para lhe expor esta minha desgraça. Ouça-me. Uma

desgraça. Casado! Não é que ela me não ame; ao contrário, morria por mim há sete anos. Tem vinte e

cinco... Boa criatura! Uma desgraça!

A palavra desgraça era a que mais vezes lhe tornava ao discurso. Eu, para saber o resto, quase não

respirava; mas não ouvi grande cousa, pois o homem, depois de algumas palavras descosidas, suspendeu a

conferência.