ENTRE 1892 E 1894

6. IDÉIAS DO CANÁRIO

O CASO DA VARA

DAMIÃO fugiu do seminário às onze horas da manhã de uma sexta-feira de agosto. Não sei bem o ano,

foi antes de 1850. Passados alguns minutos parou vexado; não contava com o efeito que produzia nos

olhos da outra gente aquele seminarista que ia espantado, medroso, fugitivo. Desconhecia as ruas, andava

e desandava, finalmente parou. Para onde iria? Para casa, não, lá estava o pai que o devolveria ao

seminário, depois de um bom castigo. Não assentara no ponto de refúgio, porque a saída estava

determinada para mais tarde; uma circunstância fortuita a apressou. Para onde iria? Lembrou-se do

padrinho, João Carneiro, mas o padrinho era um moleirão sem vontade, que por si só não faria cousa útil.

Foi ele que o levou ao seminário e o apresentou ao reitor:

Trago-lhe o grande homem que há de ser, disse ele ao reitor.

— Venha, acudiu este, venha o grande homem, contanto que seja também humilde e bom. A verdadeira

grandeza é chã. Moço...

Tal foi a entrada. Pouco tempo depois fugiu o rapaz ao seminário. Aqui o vemos agora na rua, espantado,

incerto, sem atinar com refúgio nem conselho; percorreu de memória as casas de parentes e amigos, sem

se fixar em nenhuma. De repente, exclamou:

— Vou pegar-me com Sinhá Rita! Ela manda chamar meu padrinho, diz-lhe que quer que eu saia do

seminário... Talvez assim...

Sinhá Rita era uma viúva, querida de João Carneiro; Damião tinha umas idéias vagas dessa situação e

tratou de a aproveitar. Onde morava? Estava tão atordoado, que só daí a alguns minutos é que lhe acudiu

a casa; era no Largo do Capim.

— Santo nome de Jesus! Que é isto? bradou Sinhá Rita, sentando-se na marquesa, onde estava reclinada.

Damião acabava de entrar espavorido; no momento de chegar à casa, vira passar um padre, e deu um

empurrão à porta, que por fortuna não estava fechada a chave nem ferrolho. Depois de entrar espiou pela

rótula, a ver o padre. Este não deu por ele e ia andando.

— Mas que é isto, Sr. Damião? bradou novamente a dona da casa, que só agora o conhecera. Que vem

fazer aqui!

Damião, trêmulo, mal podendo falar, disse que não tivesse medo, não era nada; ia explicar tudo.

— Descanse; e explique-se.

— Já lhe digo; não pratiquei nenhum crime, isso juro, mas espere.

Sinhá Rita olhava para ele espantada, e todas as crias, de casa, e de fora, que estavam sentadas ern volta

da sala, diante das suas almofadas de renda, todas fizeram parar os bilros e as mãos. Sinhá Rita vivia

principalmente de ensinar a fazer renda, crivo e bordado.