Logo em seguida, invadia a sala de jantar do nº 27, erguendo suas patinhas para o céu, que era o seu jeito mais expressivo de se comunicar. O senhor e a senhora Darling entenderam na hora que algo terrível se passava com as crianças. Sem se despedirem, saíram em disparada pela rua.

Porém, já haviam se passado dez minutos desde a simulação dos três malandrinhos no quarto, e Peter era capaz de fazer maravilhas em dez minutos.

Voltemos ao quarto das crianças:

— Deu certo! — John anunciou, saindo de seu esconderijo. — Diga, Peter, você sabe mesmo voar?

Ao invés de responder, Peter voou pelo quarto e derrubou a estante sobre a lareira.

— Isso é demais! — disseram John e Michael.

— Que lindo! — exclamou Wendy.

— Pois é, eu sou lindo. Eu sou muito lindo! — tornou Peter, esquecendo-se outra vez da modéstia.

Parecia incrivelmente fácil, e todos quiseram tentar. Primeiro pularam no chão e depois em cima da cama, mas sempre caíam em vez de subirem:

— Me diga! Como você faz? — perguntou John, esfregando seu joelho dolorido. Ele era um menino muito pragmático.

— Basta ter pensamentos felizes — explicou Peter —, são eles que nos erguem no ar.

E demonstrou novamente.

— Você vai muito rápido — disse John. — Pode fazer devagarzinho uma vez?

Peter fez devagar e depois rápido.

— Agora peguei o jeito, Wendy! — gritou John, mas logo viu que estava enganado.

Nenhum deles conseguia voar um centímetro sequer, mesmo com Michael já sabendo ler palavras de duas sílabas enquanto Peter não conhecia nem o abecedário.

Peter estava pregando uma peça neles, pois ninguém pode voar sem ser borrifado com uma pitada de pó de fadas. Por sorte, como já vimos, uma das mãos dele estava cheia desse pó. Peter soprou um pouco em cada um deles e o resultado foi fantástico:

— Agora é só mexer os ombros desse jeito — mostrou Peter — e sair voando!

Estavam todos em suas camas, e o valente Michael foi o primeiro a tentar. Não se sentia muito seguro para se soltar, mas arriscou assim mesmo e imediatamente voou para o outro lado do quarto.

— Eu voei! — exclamou, ainda pairando no ar.

John se atirou em seguida e esbarrou em Wendy no ar, perto do banheiro.

— Que delícia!

— Formidável!

— Olha só para mim!

Não chegavam nem aos pés da elegância de Peter, e era difícil parar de espernear. A cabeça deles ficava batendo no teto. Essa é uma das sensações mais incríveis que se pode experimentar. No começo, Peter deu a mão a Wendy, mas teve que soltar porque Tink ficou indignada.

Voaram para cima, para baixo e depois em círculos. Wendy dizia o tempo todo que aquilo era celestial:

— Que tal se a gente fosse voar lá fora? — sugeriu John.

Era exatamente isso o que Peter queria.

Michael já estava pronto. Queria ver quanto tempo levaria para voar um bilhão de quilômetros, mas Wendy hesitou:

— Sereias! — repetiu Peter.

— Aaah!

— E tem os piratas também!

— Piratas! — exclamou John, apanhando seu chapéu de domingo. — Vamos logo de uma vez!

Foi só então que o senhor e a senhora Darling saíram correndo do nº 27, atrás de Nana. Pararam no meio da rua olhando para cima para avistar a janela do quarto das crianças. Sim, ainda estava fechada, mas dava para ver o quarto inundado de luz. O mais apavorante, no entanto, foi ver através da cortina três silhuetas se movendo em círculos, não no chão, mas no ar.

Três silhuetas não, quatro!

Abriram a porta de supetão. O senhor Darling queria subir as escadas correndo, mas a senhora Darling fez sinal para que ele fosse mais devagar. Ela tentava fazer o mesmo com seu próprio coração.

Será que chegarão a tempo no quarto? Se sim, será muito bom, e poderemos dar um suspiro de alívio... mas aí não haveria história alguma a ser contada. Por outro lado, se não chegarem a tempo, juro solenemente que tudo terminará bem.

Teriam chegado se não fosse pelas estrelinhas bisbilhoteiras. Mais uma vez, elas sopraram para escancarar a janela, e a menorzinha avisou:

— Cuidado, Peter!

Peter sabia que não havia mais um segundo a perder.

— Vamos! — ordenou ao voar como um foguete noite afora, seguido por John, Michael e Wendy.

O senhor e a senhora Darling, acompanhados de Nana, invadiram o quarto tarde demais. Os passarinhos tinham fugido da gaiola.

O voo

Segunda à direita, sempre em frente até o amanhecer.

Esse era o caminho para chegar à Terra do Nunca, como Peter havia explicado a Wendy. Porém, nem mesmo passarinhos com mapas, pedindo informações nas esquinas do vento, consegui­riam chegar seguindo tais instruções. A verdade é que Peter simplesmente disse a primeira coisa que lhe veio à cabeça.

A princípio, seus acompanhantes confiavam nele cegamente. Voar era tão gostoso que passaram muito tempo circulando torres de igrejas e outros prédios interessantes que acharam pelo caminho.

John e Michael apostaram corridas. Michael saía um pouquinho na frente todas as vezes.

Lembraram-se agora, com certo desprezo, de que até pouco tempo atrás acreditavam que voar dentro de um quarto era uma coisa grandiosa.

Até pouco tempo atrás...