Wendy tinha certeza disso. Em uma ocasião, Peter passou por eles, deu bom-dia e já ia seguindo adiante sem reconhecê-los. Wendy percebeu pelo seu olhar. Ela inclusive teve de chamá-lo pelo nome:
— Peter, sou eu, a Wendy! — disse, aflita.
Peter ficava muito chateado.
— Olha, Wendy — sussurrou para ela —, sempre que perceber que estou me esquecendo de você, basta dizer: “Sou eu, a Wendy”. Prometo que eu vou me lembrar.
Isso era bem desagradável, obviamente. Para tentar compensar, Peter mostrou a todos como planar nas correntes de vento contrário. A novidade era tão diferente do modo como vinham voando, que experimentaram várias vezes e descobriram que assim podiam dormir com segurança. Teriam até dormido por mais tempo, mas Peter não tinha muita paciência para dormir e logo deu seu comando de capitão:
— Vamos atracar aqui.
Assim, entre rusgas e percalços, mas sempre com muita diversão, já estavam perto da Terra do Nunca. Chegaram lá depois de passarem por muitas luas. O mais interessante foi terem voado sempre em frente desde que saíram, sem muita ajuda de Peter ou Tink — talvez isso tenha acontecido porque a Terra do Nunca também queria encontrá-los. É desse jeito que uma criança consegue chegar às praias encantadas.
— Ali está — falou Peter, calmamente.
— Onde? Onde?
— Ali, para onde todas as setas apontam.
De fato, milhares de setas douradas indicavam o destino, todas guiadas pelo sol, que não arriscaria permitir que errassem o caminho antes de trocar seu lugar com a noite.
Wendy, John e Michael ficaram na ponta dos pés, em pleno ar, quando avistaram a ilha pela primeira vez. Parece estranho dizer isso, mas todos a reconheceram de imediato e, antes de serem tomados pelo medo, deram vivas, comemorando a chegada. O sentimento não era o de finalmente realizar um sonho; parecia mais como reencontrar um amigo querido depois de longas férias.
— John, olha a enseada ali!
— Wendy, veja as tartarugas enterrando ovos na areia!
— John, está vendo lá o seu flamingo de perna quebrada?
— Olha, Michael, a sua caverna!
— John, o que é aquilo no bosque?
— É uma loba com filhotes. Wendy, acho que um deles é o seu.
— Olha lá o meu barco, John, com o casco esburacado.
— Não é ele, não. A gente botou fogo no seu barco.
— Mas é ele, sim. Veja, John, a fumaça no acampamento dos peles-vermelhas!
— Onde? Deixa eu ver. Sei dizer pelo formato da fumaça se eles estão em guerra ou não.
— Ali, na outra margem do Rio Misterioso.
— Ah, estou vendo. É, eles estão em guerra.
Peter estava um pouco irritado por saberem tanto, mas se ele quisesse mostrar mesmo quem mandava ali, a chance estava próxima. Afinal, eu não disse que logo estariam em perigo?
Tudo ocorreu tão rápido quanto o sumiço das setas, mergulhando a ilha na escuridão.
Antigamente, em casa, a Terra do Nunca sempre começava a ficar mais sombria e ameaçadora perto da hora de dormir. Trilhas desconhecidas surgiam e se espalhavam, sombras negras se moviam por elas, o rugido dos predadores selvagens ficava diferente, e, pior ainda, não se tinha mais certeza se era possível escapar dali vivo. Era um alívio ter os abajures acesos e um prazer ver Nana indicando que era só a sombra da prateleira. A Terra do Nunca não passava de faz de conta.
Agora era tudo real. Não havia abajures. A escuridão ficava mais densa a cada segundo e... onde estaria Nana?
Voavam distantes uns dos outros, mas sempre seguindo Peter. Seu jeito despreocupado finalmente havia desaparecido, seus olhos brilhavam, e cada vez que um deles tocava seu corpo, sentia um pequeno choque. Sobrevoavam a tenebrosa ilha tão baixo que às vezes roçavam o pé na copa de alguma árvore. Não viam nada de perigoso no ar, mas mesmo assim avançavam devagar e com cuidado, como se abrissem caminho em território inimigo. Às vezes ficavam parados até Peter dar um sinal com seus punhos cerrados.
— Não querem que a gente pouse — explicou Peter.
— Quem não quer? — Wendy sussurrou, tremendo de medo.
Peter não sabia ou não queria dizer. Tinker Bell, que ainda havia pouco dormia em seu ombro, agora estava bem acordada.
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