Peter a mandou seguir na frente.
De quando em quando, ele parava no ar, ouvindo atentamente com a mão em concha na orelha. Então, olhava para baixo, com olhos tão arregalados e brilhantes que pareciam querer abrir dois buracos no chão. Depois seguia em frente.
Sua coragem era impressionante.
— Gostariam de uma aventura agora ou preferem tomar chá primeiro? — perguntou despreocupadamente a John.
— Chá primeiro — disse Wendy, sem pestanejar. Michael apertou sua mão, agradecendo, mas o valente John hesitou.
— Que tipo de aventura? — perguntou, cauteloso.
— Tem um pirata dormindo na planície bem aqui abaixo — contou Peter. — Se quiser, podemos descer e matá-lo.
— Não estou vendo ninguém — falou John, após uma longa pausa.
— Eu estou.
— Vamos supor…. que ele acabe acordando? — disse John com a voz sumindo.
Peter ficou indignado:
— Quer dizer que você mataria alguém dormindo? Eu acordo ele primeiro, depois mato. É assim que sempre faço.
— Peraí. Você já matou muitos piratas?
— Perdi a conta.
— Que legal! — comentou John, mas decidiu tomar o chá primeiro.
Perguntou quantos piratas havia na ilha, mas Peter disse que nunca soube o número exato.
— E quem é o capitão deles?
— Hook — respondeu Peter, fazendo uma cara séria ao dizer aquela palavra odiosa.
— Jas
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Hook?
— Ele mesmo.
Michael começou a chorar e a voz de John ficou embargada, pois conheciam a fama do gancho.
— Ele foi o imediato do Barba Negra
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— cochichou John. — Era o pior de todos, o único pirata de quem o Churrasqueiro
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tinha medo.
— É ele mesmo.
— E como ele é? Muito grande?
— Não tanto quanto antigamente.
— Como assim?
— Eu cortei um pedaço dele fora.
— Você?
— Eu mesmo, por quê? — Peter retrucou rispidamente.
— Não quis ofender.
— Ah, então tudo bem.
— Mas me diga, qual pedaço?
— A mão direita.
— Então ele não consegue mais brigar?
— Claro que consegue.
— Só com a canhota?
— Ele colocou um gancho de ferro no lugar na mão direita, como se fosse uma garra.
— Uma garra!
— Sabe, John? — disse Peter.
— O quê?
— Você deve dizer: “Sim, meu capitão”.
— Sim, meu capitão.
— Tem mais uma coisa — continuou Peter. — Todo garoto sob meu comando deve fazer um juramento, inclusive você.
John ficou pálido.
— Se acontecer de um dia lutarmos com o Gancho, lembre-se sempre de que ele é meu.
— Tudo bem. Prometido — declarou John.
A essa altura já não estavam com tanto medo, pois Tink voava à frente e sua luz distinguia uns dos outros. Infelizmente, ela não ia tão devagar quanto eles e voava em círculos, produzindo um halo em volta do grupo. Wendy gostava daquilo, mas Peter explicou o lado ruim da coisa:
— Tink me disse que os piratas nos avistaram antes do anoitecer e prepararam o Tonhão para nós.
— Você quer dizer o canhão?
— Isso. E sem dúvida conseguem ver a luz dela. Se acharem que estamos perto, vão mandar chumbo!
— Wendy!
— John!
— Michael!
— Manda ela sumir daqui, Peter! — gritaram os três ao mesmo tempo, mas Peter se recusou.
— Ela acha que estamos perdidos — respondeu, preocupado. — Está muito assustada. Eu jamais a mandaria embora assustada assim.
O círculo de luz se desfez por um momento e Peter sentiu um beliscãozinho carinhoso.
— Então fala pra ela apagar a luz — implorou Wendy.
— Ela não consegue apagar. Acho que é a única coisa que as fadas não conseguem. A luz só se apaga quando ela dorme, igual às estrelas.
— Então fala para ela dormir já! — John disse, quase como uma ordem.
— Ela não dorme se não estiver com sono. É a única outra coisa que as fadas não conseguem fazer.
— Parece — resmungou John — que são as duas únicas coisas que nos ajudariam agora.
Também levou um beliscão, mas não foi nada carinhoso dessa vez.
— Se ao menos alguém tivesse um bolso — Peter disse —, poderíamos levá-la escondida.
Infelizmente, saíram com tanta pressa de casa que nenhum deles tinha bolso.
Peter então teve uma boa ideia:
— O chapéu do John!
Tink concordou em ficar dentro do chapéu, desde que alguém o levasse na mão, e não na cabeça. John o levou, embora ela esperasse que fosse Peter. Logo depois, Wendy passou a carregá-lo porque John reclamou que ficava batendo em sua perna enquanto voava. Como veremos, essa ideia teve resultados desastrosos, pois Tinker Bell odiou se sentir em dívida com Wendy.
A luz de Tink ficava completamente oculta dentro da cartolinha preta. Eles então seguiram voando sem dizer nada. Era o silêncio mais profundo que já tinham sentido, quebrado somente por um ruído longínquo que Peter explicou ser dos animais bebendo água no riacho. Depois, veio um som estridente que poderia ser o de galhos de árvore roçando uns nos outros, mas ele disse que eram os peles-vermelhas afiando suas facas.
Até mesmo esses ruídos cessaram. Para Michael, a sensação de solidão era insuportável:
— Queria que alguma coisa fizesse barulho!
Atendendo ao pedido, o ar foi rasgado pela maior explosão que ele já ouvira. Os piratas dispararam o Tonhão contra eles.
O rugido ecoou pelas montanhas e o eco parecia gritar desesperado:
— Cadê eles? Cadê eles?
Foi assim que os três irmãos aterrorizados aprenderam a diferença entre uma ilha de faz de conta e essa mesma ilha se tornando realidade.
Quando finalmente o céu se acalmou, John e Michael se viram sozinhos no escuro. John marchava no ar e Michael flutuava, mesmo sem saber como fazia isso.
— O tiro acertou você? — sussurrou John, trêmulo.
— Ainda não conferi — Michael respondeu.
Sabemos agora que ninguém tinha se ferido. Peter, no entanto, acabou arrastado pela lufada de ar até o mar.
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