Ele a agradeceu calorosamente e esqueceu sua raiva. No minuto seguinte, estava dançando pelo quarto, com Michael em suas costas.

— Nossas brincadeiras eram tão alegres! — disse a senhora Darling, recordando-se.

— Foi a última vez que brincamos! — o senhor Darling suspirou.

— Ai, George, você se lembra de quando Michael me perguntou: “Como você me conheceu, mamãe?”.

— Lembro!

— Foi muito bonitinho, não foi?

— E eles eram nossos. Nossos! E agora se foram.

A brincadeira acabou quando, por descuido, o senhor Darling tropeçou em Nana, enchendo sua calça de pelos. Não bastasse a calça ser nova, era a primeira que ele tinha com faixas de cetim dos lados. Até mordeu os lábios para conter as lágrimas. Obviamente, a senhora Darling escovou a calça, mas ele começou a repetir que era um erro ter uma cachorra como babá.

— George, a Nana é um tesouro.

— Sem dúvida, mas às vezes tenho a sensação de que ela trata as crianças como se fossem seus filhotes.

— Ai, querido, tenho certeza de que ela sabe que eles têm alma.

— Não sei, não — o senhor Darling respondeu, pensativo. — Não sei, não.

A senhora Darling sentiu que era o momento certo para contar a ele sobre o menino. No início, ele fez pouco-caso da história, mas ficou bem intrigado quando ela mostrou a sombra para ele.

— Não é de ninguém que eu conheço — disse, examinando-a cuidadosamente —, mas parece ser de algum malandro.

— Ainda estávamos falando sobre a sombra quando Nana chegou com o remédio de Michael, lembra? — disse o senhor Darling. — Agora você não precisa mais dar remédio para ele, Nana, e é tudo minha culpa!

Por mais crescido e sério que fosse, sem dúvida havia se comportado como um bobo por conta de um remédio. Se ele tinha uma fraqueza, era achar que nunca havia feito drama para tomar remédios em toda sua vida. Por isso, quando Michael virou o rosto para a colher que Nana trazia na boca, ele desaprovou aquilo severamente, dizendo:

— Seja homem, Michael!

— Não quero, não quero! — Michael gritou, fazendo manha.

A senhora Darling saiu para pegar um chocolate. O senhor Darling, por sua vez, achou que a questão pedia pulso firme:

— Mãe, não o mime! — exclamou. — Michael, quando eu tinha a sua idade, eu tomava meus remédios sem dar um pio. Eu dizia: “Obrigado, meus gentis pais, por me darem um remédio para que eu fique melhor”.

Em seu íntimo, ele realmente acreditava naquilo, e Wendy, que já estava de camisola, também. Para encorajar Michael, ela complementou:

— Aquele remédio que o senhor às vezes precisa tomar tem um gosto muito pior, não é, papai?

— Muitíssimo pior! — respondeu altivo o senhor Darling. — E eu o tomaria agora só para dar o exemplo, Michael, se não tivesse perdido o frasco.

Ele não havia exatamente perdido seu remédio. Na calada da noite, escalou o guarda-roupa e o escondeu lá em cima. O que ele não sabia era que a eficiente Liza o havia encontrado e colocado de volta no armário do banheiro.

— Eu sei onde está, papai! — exclamou Wendy, sempre feliz em ajudar. — Eu pego para o senhor! — E lá se foi antes que ele pudesse impedi-la.

Um desânimo se abateu sobre ele.

— John — o senhor Darling disse, sentindo um arrepio —, esse remédio é horrível. É doce, gosmento e nojento.

— Num minuto acaba, papai — respondeu John, divertindo-se.

Wendy entrou correndo, com o remédio em um copo.

— Fiz o mais rápido que consegui — ela disse, sem fôlego.

— Obrigado, você foi mesmo muito rápida — seu pai respondeu, com um tom irônico que ela não percebeu. — Primeiro o Michael — sugeriu, tentando se safar.

— O papai primeiro — respondeu Michael, que era desconfiado por natureza.

— Pode me fazer mal, sabia? — o senhor Darling disse em tom de ameaça.

— Vamos, papai! — insistiu John.

— Não se meta, John! — respondeu seu pai.

Wendy estava intrigada:

— Mas papai, achei que o senhor disse que não teria problemas para tomar.

— A questão não é essa — replicou o senhor Darling. — O fato é: há mais no meu copo do que na colher de Michael — disse, com o orgulho ferido quase explodindo seu peito. — Não é justo! Digo e repito: isso não é justo.

— Papai, estamos esperando — disse Michael, friamente.

— Eu sei muito bem disso, porque também estou!

— O papai é um covardão.

— E você também é um covardão.

— Eu não estou com medo.

— E quem disse que eu estou com medo?

— Ué, então toma o remédio.

— Então tome você também, oras.

Wendy teve uma excelente ideia:

— Por que os dois não tomam ao mesmo tempo?

— Muito bem — disse o senhor Darling. — Pronto, Michael?

Wendy contou um, dois, três, e Michael engoliu seu remédio, mas o senhor Darling sorrateiramente escondeu seu copo nas costas.

Michael deu um grito de raiva e Wendy exclamou:

— Ah, papai!

— Como assim, “Ah, papai”? — o senhor Darling perguntou, indignado. — Pare com o berreiro, Michael. Eu queria tomar, mas... errei a pontaria.

O modo como os três olhavam para ele era desolador, como se não o admirassem mais:

— Escutem aqui, vocês três! — suplicou, assim que Nana saiu para ir ao banheiro. — Acabei de pensar em uma brincadeira ótima. Vou despejar meu remédio na tigela da Nana e ela vai beber achando que é leite!

De fato, o remédio tinha cor de leite, mas as crianças não compartilhavam o senso de humor do pai. Olhavam com um ar de reprovação enquanto ele jogava o remédio na tigela.

— Vejam como vai ser engraçado! — falou, meio titubeante, mas ninguém teve coragem de denunciá-lo quando a senhora Darling e Nana voltaram.

— Nana, minha cachorrinha linda — disse, dando tapinhas na cabeça dela.