— Coloquei um pouco de leite na sua tigela.

Nana abanou o rabo, correu para o remédio e começou a lamber. Imediatamente, disparou um olhar intenso para o senhor Darling. Não era de raiva, mas uma carinha de cachorro triste, com os olhos caídos, que dá pena. Depois, ela se arrastou para sua casinha.

O senhor Darling ficou completamente envergonhado, mas não se rendeu. Após um silêncio sombrio, a senhora Darling cheirou a tigela:

— Ah, George — disse ela —, é o seu remédio.

— Foi só uma brincadeira — resmungou, enquanto a senhora Darling consolava os garotos e Wendy abraçava Nana.

— Muito bem — disse o senhor Darling amargamente —, é isso o que eu ganho por tentar trazer alegria para esta casa.

Mesmo assim, Wendy continuou abraçando Nana.

— Isso mesmo! — ele gritou. — Agrade a cachorra! Ninguém me agrada! Imagina só! Não passo de um sujeito que coloca comida nesta casa. Por qual motivo alguém me agradaria? Hein? Hein?

— George, não fale tão alto. Os criados podem ouvir — pediu a senhora Darling.

Por algum motivo, eles se acostumaram a chamar Liza de “os criados”.

— Pois que ouçam! — exclamou senhor Darling, sem se importar. — Que o mundo inteiro ouça! Eu me recuso a deixar essa cachorra mandar na minha casa por um minuto a mais que seja!

As crianças começaram a chorar, e Nana correu até o senhor Darling, implorando, mas ele a empurrou de volta. Sentia-se novamente como o homem da casa.

— Não adianta, não adianta! — gritou. — Seu lugar é no quintal e eu vou te amarrar lá agora mesmo.

— George, George — a senhora Darling sussurrou —, lembre-se do que eu te contei sobre aquele menino.

Mas ele não deu atenção. Estava determinado a mostrar a todos quem mandava naquela casa. Como Nana não saía de sua casinha, apesar de suas ordens, ele começou a chamá-la em um tom carinhoso até conseguir atraí-la. Agarrou-a bruscamente e a arrastou para fora. Sentia-se envergonhado pelo que estava fazendo, mas foi até o fim. Fazia aquilo por ser um sujeito muito sensível, que tinha necessidade de ser admirado. Depois de amarrá-la no quintal, sentou-se no corredor e esfregou os olhos.

Enquanto isso, a senhora Darling colocava as crianças na cama e acendia os abajures, em meio a um silêncio incômodo. Ouviram Nana latindo, e John disse, com tristeza:

— É porque ele a amarrou no quintal.

Wendy, no entanto, entendeu o que se passava:

— Esse não é o latido triste dela — disse, sem se dar conta do que estava prestes a acontecer. — Esse é o latido de quando fareja algum perigo.

Perigo!

— Você tem certeza, Wendy?

— Absoluta.

A senhora Darling sentiu um calafrio e foi até a janela. Estava bem fechada. Olhou para fora e o céu estava salpicado de estrelas. Todas rodeavam a casa, curiosas para ver o que acontecia lá dentro, mas ela não percebeu isso. Também não notou que uma ou duas das menorzinhas piscaram para ela. Mesmo assim, sentiu um aperto no coração e chorou:

— Ai, como eu queria não ter de ir na festa hoje!

Até mesmo Michael, que estava quase dormindo, percebeu que sua mãe estava preocupada e perguntou:

— Mamãe, alguma coisa pode nos fazer mal quando os abajures estão acesos?

— Não, meu amor — a senhora Darling respondeu. — Eles são os olhos que a mamãe deixa no quarto para proteger vocês.

Foi de cama em cama cantando canções de ninar. O pequeno Michael a envolveu em seus bracinhos:

— Mamãe, que bom que você existe.

Foram as últimas palavras dele que ouviria por um longo tempo.

O nº 27 ficava a poucas casas de distância, mas, como havia nevado, o senhor e a senhora Darling foram caminhando com cuidado para não sujar os sapatos. Eram as únicas pessoas na rua. As estrelas os observavam. Por mais belas que sejam, as estrelas são incapazes de mudar as coisas; estão condenadas a ser eternas observadoras. É um castigo por algo que elas fizeram há muito tempo.