Este Seu Escasso Campo

Este, seu ‘scasso campo ora lavrando,

Ora solene, olhando-o com a vista

De quem a um filho olha, goza incerto

A não-pensada vida.

Das fingidas fronteiras a mudança

O arado lhe não tolhe, nem o empece

Per que concílios se o destino rege

Dos povos pacientes.

Pouco mais no presente do futuro

Que as ervas que arrancou, seguro vive

A antiga vida que não torna, e fica,

Filhos, diversa e sua.

É tão Suave

É tão suave a fuga deste dia, Lídia,

que não parece, que vivemos.

Sem dúvida que os deuses

Nos são gratos esta hora,

Em paga nobre desta fé que temos

Na exilada verdade dos seus corpos

Nos dão o alto prêmio

De nos deixarem ser

Convivas lúcidos da sua calma,

Herdeiros um momento do seu jeito

De viver toda a vida

Dentro dum só momento,

Dum só momento, Lídia, em que afastados

Das terrenas angústias recebemos

Olímpicas delícias Dentro das nossas almas.

E um só momento nos sentimos deuses

Imortais pela calma que vestimos

E a altiva indiferença

Às coisas passageiras

Como quem guarda a c'roa da vitória

Estes fanados louros de um só dia

Guardemos para termos,

No futuro enrugado,

Perene à nossa vista a certa prova

De que um momento os deuses nos amaram

E nos deram uma hora

Não nossa, mas do Olimpo.

Feliz Aquele

Feliz aquele a quem a vida grata

Concedeu que dos deuses se lembrasse

E visse como eles

Estas terrenas coisas onde mora

Um reflexo mortal da imortal vida.

Feliz, que quando a hora tributária

Transpor seu átrio por que a

Parca corte

O fio fiado até ao fim,

Gozar poderá o alto prêmio

De errar no Averno grato abrigo

Da convivência.

Mas aquele que quer

Cristo antepor

Aos mais antigos

Deuses que no Olimpo

Seguiram a Saturno —

O seu blasfemo ser abandonado

Na fria expiação — até que os Deuses

De quem se esqueceu deles se recordem —

Erra, sombra inquieta, incertamente,

Nem a viúva lhe põe na boca

O óbolo a Caronte grato,

E sobre o seu corpo insepulto

Não deita terra o viandante.

Felizes

Felizes, cujos corpos sob as árvores

Jazem na úmida terra,

Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem

Das doenças da lua.

Verta Eolo a caverna inteira sobre

O orbe esfarrapado,

Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto

As ondas estoirando.

Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro

Que passa, finda a tarde,

Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra

Imperfeita de um deus,

Não sabe que os seus passos vão cobrindo

O que podia ser,

Se a vida fosse sempre vida, a glória

De uma beleza eterna.

Flores

Flores que colho, ou deixo,

Vosso destino é o mesmo.

Via que sigo, chegas

Não sei aonde eu chego.

Nada somos que valha,

Somo-lo mais que em vão.

Frutos

Frutos, dão-os as árvores que vivem,

Não a iludida mente, que só se orna

Das flores lívidas Do íntimo abismo.

Quantos reinos nos seres e nas cousas

Te não talhaste imaginário!

Quantos,

Com a charrua, Sonhos, cidades!

Ah, não consegues contra o adverso muito

Criar mais que propósitos frustrados!

Abdica e sê Rei de ti mesmo.

Gozo Sonhado

Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.

Nós o que nos supomos nos fazemos,

Se com atenta mente Resistirmos em crer

Não, pois, meu modo de pensar nas coisas,

Nos seres e no fado me consumo.

Para mim ê-lo. crio tanto

Quanto para mim crio.

Fora de mim, alheio ao em que penso,

O Fado cumpre-se.

Porém eu me cumpro

Segundo o âmbito breve

Do que de meu me é dado.

Inglória

Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.

Quantos, se pensam, não se reconhecem

Os que se conheceram!

A cada hora se muda não só a hora

Mas o que se crê nela, e a vida passa

Entre viver e ser.

Já Sobre a Fronte

Já sobre a fronte vã se me acinzenta

O cabelo do jovem que perdi.

Meus olhos brilham menos.

Já não tem jus a beijos minha boca.

Se me ainda amas, por amor não ames:

Traíras-me comigo.

Lenta, Descansa

Lenta, descansa a onda que a maré deixa.