E um só momento nos sentimos deuses

Imortais pela calma que vestimos

E a altiva indiferença

Às coisas passageiras

Como quem guarda a c'roa da vitória

Estes fanados louros de um só dia

Guardemos para termos,

No futuro enrugado,

Perene à nossa vista a certa prova

De que um momento os deuses nos amaram

E nos deram uma hora

Não nossa, mas do Olimpo.

Feliz Aquele

Feliz aquele a quem a vida grata

Concedeu que dos deuses se lembrasse

E visse como eles

Estas terrenas coisas onde mora

Um reflexo mortal da imortal vida.

Feliz, que quando a hora tributária

Transpor seu átrio por que a

Parca corte

O fio fiado até ao fim,

Gozar poderá o alto prêmio

De errar no Averno grato abrigo

Da convivência.

Mas aquele que quer

Cristo antepor

Aos mais antigos

Deuses que no Olimpo

Seguiram a Saturno —

O seu blasfemo ser abandonado

Na fria expiação — até que os Deuses

De quem se esqueceu deles se recordem —

Erra, sombra inquieta, incertamente,

Nem a viúva lhe põe na boca

O óbolo a Caronte grato,

E sobre o seu corpo insepulto

Não deita terra o viandante.

Felizes

Felizes, cujos corpos sob as árvores

Jazem na úmida terra,

Que nunca mais sofrem o sol, ou sabem

Das doenças da lua.

Verta Eolo a caverna inteira sobre

O orbe esfarrapado,

Lance Netuno, em cheias mãos, ao alto

As ondas estoirando.

Tudo lhe é nada, e o próprio pegureiro

Que passa, finda a tarde,

Sob a árvore onde jaz quem foi a sombra

Imperfeita de um deus,

Não sabe que os seus passos vão cobrindo

O que podia ser,

Se a vida fosse sempre vida, a glória

De uma beleza eterna.

Flores

Flores que colho, ou deixo,

Vosso destino é o mesmo.

Via que sigo, chegas

Não sei aonde eu chego.

Nada somos que valha,

Somo-lo mais que em vão.

Frutos

Frutos, dão-os as árvores que vivem,

Não a iludida mente, que só se orna

Das flores lívidas Do íntimo abismo.

Quantos reinos nos seres e nas cousas

Te não talhaste imaginário!

Quantos,

Com a charrua, Sonhos, cidades!

Ah, não consegues contra o adverso muito

Criar mais que propósitos frustrados!

Abdica e sê Rei de ti mesmo.

Gozo Sonhado

Gozo sonhado é gozo, ainda que em sonho.

Nós o que nos supomos nos fazemos,

Se com atenta mente Resistirmos em crer

Não, pois, meu modo de pensar nas coisas,

Nos seres e no fado me consumo.

Para mim ê-lo. crio tanto

Quanto para mim crio.

Fora de mim, alheio ao em que penso,

O Fado cumpre-se.

Porém eu me cumpro

Segundo o âmbito breve

Do que de meu me é dado.

Inglória

Inglória é a vida, e inglório o conhecê-la.

Quantos, se pensam, não se reconhecem

Os que se conheceram!

A cada hora se muda não só a hora

Mas o que se crê nela, e a vida passa

Entre viver e ser.

Já Sobre a Fronte

Já sobre a fronte vã se me acinzenta

O cabelo do jovem que perdi.

Meus olhos brilham menos.

Já não tem jus a beijos minha boca.

Se me ainda amas, por amor não ames:

Traíras-me comigo.

Lenta, Descansa

Lenta, descansa a onda que a maré deixa.

Pesada cede. Tudo é sossegado.

Só o que é de homem se ouve.

Cresce a vinda da lua.

Nesta hora, Lídia ou Neera Ou Cloe,

Qualquer de vós me é estranha, que me inclino Para o segredo dito Pelo silêncio incerto.