Não a Ti, Cristo, odeio ou te não quero

Não a Ti, Cristo, odeio ou te não quero.

Em ti como nos outros creio deuses mais velhos.

Só te tenho por não mais nem menos

Do que eles, mas mais novo apenas.

Odeio-os sim, e a esses com calma aborreço, Que te querem acima dos outros teus iguais deuses.

Quero-te onde tu stás, nem mais alto

Nem mais baixo que eles, tu apenas.

Deus triste, preciso talvez porque nenhum havia Como tu, um a mais no Panteão e no culto,

Nada mais, nem mais alto nem mais puro

Porque para tudo havia deuses, menos tu.

Cura tu, idólatra exclusivo de Cristo, que a vida É múltipla e todos os dias são diferentes dos outros, E só sendo múltiplos como eles

estaremos com a verdade e sós.

Não a Ti, Cristo, odeio ou menosprezo

Não a Ti, Cristo, odeio ou menosprezo

Que aos outros deuses que te precederam

Na memória dos homens.

Nem mais nem menos és, mas outro deus.

No Panteão faltavas. Pois que vieste

No Panteão o teu lugar ocupa,

Mas cuida não procures

Usurpar o que aos outros é devido.

Teu vulto triste e comovido sobre

A 'steril dor da humanidade antiga

Sim, nova pulcritude

Trouxe ao antigo Panteão incerto.

Mas que os teus crentes te não ergam sobre outros, antigos deuses que dataram Por filhos de Saturno De mais perto da origem igual das coisas.

E melhores memórias recolheram

Do primitivo caos e da Noite Onde os deuses não são Mais que as estrelas súbditas do Fado.

Tu não és mais que um deus a mais no eterno Não a ti, mas aos teus, odeio, Cristo.

Panteão que preside À nossa vida incerta.

Nem maior nem menor que os novos deuses,

Tua sombria forma dolorida Trouxe algo que faltava Ao número dos divos. Por isso reina a par de outros no Olimpo, Ou pela triste terra se quiseres

Vai enxugar o pranto Dos humanos que sofrem.

Não venham, porém, 'stultos teus cultores

Em teu nome vedar o eterno culto Das presenças maiores Ou parceiras da tua. A esses, sim, do âmago eu odeio Do crente peito, e a esses eu não sigo,

Supersticiosos leigos Na ciência dos deuses.

Ah, aumentai, não combatendo nunca.

Enriquecei o Olimpo, aos deuses dando

Cada vez maior força P'lo número maior.

Basta os males que o Fado as Parcas fez

Por seu intuito natural fazerem.

Nós homens nos façamos Unidos pelos deuses.

Não Canto

Não canto a noite porque no meu canto

O sol que canto acabara em noite.

Não ignoro o que esqueço.

Canto por esquecê-lo.

Pudesse eu suspender, inda que em sonho,

O Apolíneo curso, e conhecer-me,

Inda que louco, gêmeo

De uma hora imperecível!

Não Consentem

Não consentem os deuses mais que a vida.

Tudo pois refusemos, que nos alce

A irrespiráveis píncaros, Perenes sem ter flores.

Só de aceitar tenhamos a ciência,

E, enquanto bate o sangue em nossas fontes, Nem se engelha conosco O mesmo amor, duremos, Como vidros, às luzes transparentes

E deixando escorrer a chuva triste,

Só mornos ao sol quente, E refletindo um pouco.