Quer me parecer que Sua Majestade o Rei pretende que você seja rebatizado na Torre. Mas, qual é o problema, Clarence? Posso saber?

Clarence – Sim, Ricardo, quando eu souber, pois eu lhe garanto que até agora não faço ideia. Pelo que pude saber, ele presta atenção a profecias e sonhos, e do alfabeto arranca a letra G e diz que um sábio lhe contou que sua prole será deserdada por G. Uma vez que o meu nome, George, começa com G, segue-se, nas ideias dele, que eu sou o tal. Isso, segundo me disseram, e ninharias desse tipo são o que levaram Sua Alteza a trancafiar-me agora.

Ricardo – Ora, mas é no que dá, quando homens se deixam governar por mulheres. Não é o Rei quem está lhe mandando para a Torre. Lady Grey[6], a esposa, Clarence, é ela quem o molda até tão extremo ponto. Não foi ela, mais aquele bom homem, muito honrado, Anthony Woodville[7], o irmão dela, que fizeram o nosso Rei mandar Lorde Hastings para a Torre, de onde no dia mesmo de hoje ele foi solto? Nós não estamos a salvo, Clarence, não estamos a salvo!

Clarence – Por Deus, eu acho que nenhum homem está em segurança, exceto os parentes da Rainha e os arautos que varam a noite batendo perna entre o Rei e Madame Shore. Não lhe contaram que humilde peticionário Lorde Hastings provou ser, em prol de sua libertação, para ela?

Ricardo – Com muita humildade, lamentando-se à sua divindade, foi assim que o Lorde Chamberlain conseguiu sua liberdade. Vou lhe dizer o que penso: acho que, se queremos nos manter nas boas graças do Rei, o jeito é sermos serviçais a Madame Shore, usar a libré de sua casa.[8] Ela, e também a viúva ciumenta e gasta, já que o nosso irmão elevou-as a damas da corte, são tagarelas poderosas na nossa monarquia.

Brakenbury – Rogo a Suas Graças que me perdoem, mas Sua Majestade foi muito rígido em suas ordens: ninguém pode engajar-se em conversa particular… homem algum, do grau que for… com seu irmão.

Ricardo – Muito bem. Se lhe agrada, Brakenbury, você pode compartilhar de tudo o que conversamos. Não há traição em nossas palavras, homem. Estamos comentando como o Rei é sábio e cheio de virtudes, e sua nobre Rainha, conforme a idade vai avançando, continua formosa e não é ciumenta. Também comentamos que a mulher do Shore tem belos pés, lábios como uma cereja, olhos encantadores, uma fala agradável e breve, e que os parentes da Rainha são cavalheiros natos. O que me diz disso, sir? Tem como negar tudo isso?

Brakenbury – Nada disso, milorde, é da minha conta.

Ricardo – Não tem conta com Madame Shore? Pois eu lhe digo, meu caro, que, quem tem conta com ela (fora um único homem), melhor seria manter essa conta secreta e fazer tudo sozinho.

Brakenbury – Quem é esse único homem, milorde?

Ricardo – O marido dela, seu pilantra! Você me trairia?

Brakenbury – Peço à Sua Graça que me perdoe e, ademais, abstenha-se de confabular com o nobre Duque.

Clarence – Conhecemos as suas ordens, Brakenbury, e vamos respeitá-las.

Ricardo – Nós somos os súditos ábditos, longínquos da Rainha, e devemos obedecer. Irmão, adeus. Vou falar com o Rei e, o que você quiser que eu faça por você… mesmo que seja chamar de cunhada essa viúva do Rei Eduardo… eu o farei, se for para conseguir a sua libertação. Neste meio-tempo, esta profunda desgraça entre irmãos toca-me a mim mais fundo que você possa imaginar. [Chorando, abraça Clarence.]

Clarence – Eu sei que isto não nos agrada nem um pouco.

Ricardo – Bem, o seu encarceramento não será longo. Vou libertá-lo, irmão; do contrário, mentirei por você. Neste meio-tempo, tenha paciência.

Clarence – Preciso por força ter paciência. Adeus. [Saem Clarence, Brakenbury e a escolta.]

Ricardo – Vá, trilhe o caminho do qual você não retornará jamais. É simples, meu despretensioso Clarence: eu te amo tanto que meu desejo é em breve enviar tua alma para o céu… se os céus quiserem aceitar o presente de nossas mãos. Mas, quem vem aí? Hastings, recém-libertado? [Entra Lorde Hastings.]

Hastings – Bom dia para Sua Graça.

Ricardo – Bom dia também para o meu bom Lorde Chamberlain. Seja muito bem-vindo ao ar livre. Como foi que sua senhoria suportou o encarceramento?

Hastings – Com paciência, meu nobre lorde, como precisa ser com os prisioneiros. Mas viverei, milorde, para agradecer àqueles que foram a causa do meu aprisionamento.

Ricardo – Sem dúvida, sem dúvida. E Clarence também, fará o mesmo. Pois aqueles que foram os seus inimigos são os inimigos dele e triunfaram tanto sobre ele quanto sobre você.

Hastings – Uma pena que as águias estejam sendo engaioladas enquanto milhafres e bútios ficam em liberdade para cair sobre suas presas.

Ricardo – Que notícias você tem do exterior?

Hastings – Nenhuma tão ruim quanto estas que temos nós aqui.