Não sabe como se escolhe um homem. Romeu? Não, ele não. Embora seu rosto seja melhor do que o de qualquer outro, ele também tem pernas superiores às dos outros, e quanto à mão e ao pé, e ao corpo, embora talvez seja melhor não falar neles, mesmo assim são incomparáveis. Ele não é a maior flor de cortesia, mas garanto que é manso como um cordeirinho. Pode ir, menina. Pense em Deus. Como é, já almoçaram?
Julieta
Nada disso; o que eu disse eu já sabia.
Que diz do casamento? Que diz disso?
Ama
Ai, meu Deus, como dói minha cabeça.
Lateja tanto que eu vou estourar.
’Stou desancada. Ai, as minhas costas!
Maldita seja por mandar-me assim
Correr feito uma louca por aí.
Julieta
Lamento que não esteja muito bem.
Ama querida, o que diz meu amor?
Ama
O seu amor, porque é um cavalheiro
Cortês, honesto, bom e bem bonito,
E virtuoso até — Cadê sua mãe?
Julieta
Ora essa, a mamãe? Está lá dentro.
Onde devia estar? Mas que resposta!
“Diz seu amor, porque é um cavalheiro
Cortês, honesto, bom e bem bonito,
Cadê a sua mãe?”
Ama
Virgem Maria!
É tanta a afobação? Pouco me importa.
É esse o emplastro que dá pros meus ossos?
Pois leve os seus recados você mesma.
Julieta
Mas quanta queixa! O que disse Romeu?
Ama
Tem licença pra confissão de hoje?
Julieta
Tenho.
Ama
Pois se correr até o Frei Lourenço,
Lá terá um marido pra esposá-la.
Agora ficou toda enrubescida;
Você sempre corou com novidades.
Vá à igreja; eu vou pra outro lado
Buscar a escada com que o seu amor
Vai subir, pelo escuro, até o ninho.
Trabalho eu pra você ter prazer;
Mas de noite é você quem vai gemer.
Eu vou comer. Corra para a igreja.
Julieta
Pro meu destino! E que Deus a proteja.
(Saem.)
Cena VI
(Entram Frei Lourenço e Romeu.)
Frei
Sorria o céu a este ato santo,
E que ele não nos traga sofrimento.
Romeu
Amém, amém. Mas nem a maior dor
Anula a linda troca de alegrias
Que um minuto me dá por vê-la aqui.
Se juntar nossas mãos com bênção santa,
Que a morte, que devora o amor, ataque:
Pra mim basta poder chamá-la minha.
Frei
E violento prazer tem fim violento,
E morre no esplendor, qual fogo e pólvora,
Consumido num beijo. O mel mais doce
Repugna pelo excesso de delícia,
Que acaba perturbando o apetite.
Modere-se, pro amor poder durar;
A pressa atrasa igual ao devagar.
(Entra Julieta, um tanto precipitada, e abraça Romeu.)
Eis a dama. Esses pés, assim tão leves,
Jamais desgastarão o chão que pisam.
Quem ama pode caminhar nas teias
Sacudidas nas brisas do verão
Sem cair; pois tão leve é o bem terreno.
Julieta
Boa-tarde, confessor da minha alma.
Frei
Romeu lhe dará graças por nós ambos.
Julieta
Já o fez, e ficou com a maior parte.
Romeu
Julieta, se a alegria que hoje sente
For grande como a minha, e a sua arte
Maior pra descrevê-la, que a sua voz
Adoce o ar e que a sua música
Possa cantar quanta felicidade
Nós recebemos hoje um do outro.
Julieta
O que nós temos de imaginação,
Se é mais rico por dentro que por fora,
Só canta o conteúdo, não o ornato.
Não tem valor o que dá pra contar,
E o meu amor cresceu a um tal excesso
Que não sei o valor nem da metade.
Frei
Venham comigo, pra apressar os votos.
Por mim, não ficam sós de modo algum
Até a igreja dos dois fazer um.
(Saem.)
Ato III
Cena I
(Entram Mercúcio, Benvólio e outros homens.)
Benvólio
Mercúcio, por favor, vamos embora;
’Stá quente, os Capuletos ’stão à solta.
Se houver encontro, a briga é inevitável,
Pois no calor o sangue ferve louco.
Mercúcio
Você parece um desses sujeitos que, ao entrar no recinto de uma taverna, fica com a espada bem à mão, na mesa, e diz: “Deus permita que eu não te necessite!”; e já na segunda caneca quer se servir de quem serve, sem a menor provocação.
Benvólio
Eu sou assim?
Mercúcio
Ora, vamos; você é tão esquentado quanto qualquer brigão da Itália; pronto a ficar ofendido e, se ofendido, logo pronto.
Benvólio
Para o quê?
Mercúcio
Deixe de histórias. Se houvesse dois de você, daí a pouco não ia haver mais nenhum, porque um matava o outro. Ora, você briga com qualquer um que tenha um fio de barba a mais ou a menos que você. Briga com quem quebra uma noz, só porque tem olhos cor de avelã. Que olho fica olhando mais para achar briga do que o seu? Sua cabeça é tão cheia de brigas quanto um ovo de alimento, mas já o vi reduzido a um ovo podre por causa de uma briga. Você já brigou com um pobre coitado que tossiu na rua, só porque ele acordou o seu cachorro, que estava tirando uma soneca ao sol. E não se desentendeu com um alfaiate, só porque ele saiu de roupa nova antes da Páscoa? Ou com um outro, porque amarrou os sapatos com uma fita velha? E ainda quer me pregar sermão por causa de uma briga!
Benvólio
Se eu brigasse com a mesma facilidade que você, qualquer um simplesmente me levava a vida em pouco mais de uma hora.
Mercúcio
É simples levar a vida de um simplório!
(Entram Teobaldo, Petrúquio e outros.)
Benvólio
Olhe a dor de cabeça; lá vem Teobaldo.
Mercúcio
Olhe a dor no pé; o que me importa?
Teobaldo
Sigam-me de perto, eu vou falar com eles. Cavalheiros, bom-dia: uma palavra.
Mercúcio
Só uma palavra com um de nós? Junte mais alguma coisa — é melhor um golpe e uma palavra.
Teobaldo
Verá que estarei bem pronto a fazê-lo, se me oferecer a ocasião.
Mercúcio
E será que não pode agarrar a ocasião sem que ninguém a ofereça?
Teobaldo
Mercúcio, você anda em acordos com Romeu.
Mercúcio
Acordos? Ou acordes? Talvez ache que somos menestréis. Pois se somos nós os menestréis, não espere nada senão discórdia. Com isto é que eu toco o violino que o fará dançar. Pelas chagas de Cristo, acordos!
Benvólio
Essa disputa, aqui, ’stá muito pública.
Ou vão para local mais isolado,
Ou discutam seu caso com juízo,
Ou caiam fora; todos ’stão olhando.
Mercúcio
Gente tem olhos pra olhar, e eles que olhem.
Não me movo para dar prazer aos outros.
(Entra Romeu.)
Teobaldo
Fique em paz. O meu homem vem aí.
Mercúcio
Não me parece que use a sua libré.
Se for pro campo e se ele o seguir,
Será o caso de ele ser “seu homem”.
Teobaldo
Romeu, o amor que eu lhe dedico exige
Que lhe diga na cara que é um vilão.
Romeu
Teobaldo, as razões do meu amor
Ajudam-me a escusar o tom de ira
Da sua saudação. Não sou vilão;
Portanto, adeus; você não me conhece.
Teobaldo
Menino, isso, assim, não apaga o insulto
Que me lançou; portanto, pare e saque.
Romeu
Garanto que jamais o insultei.
E o amo mais que possa imaginar
Então, bom Capuleto, nome que honro
Como o meu próprio, fique satisfeito.
Mercúcio
Mas que calma mais vil de desonrosa!
Alla stoccata é a palavra de ordem!
(Saca a espada.)
Teobaldo, pega-ratos; vamos lá?
Teobaldo
Ora essa, o que quer você comigo?
Mercúcio
Bom Rei dos Gatos, apenas uma de suas nove vidas. Com essa tenho a intenção de me servir à vontade, e depois, conforme me tratar daqui em diante, resolvo o que fazer com as outras oito. Vai tirar sua espada da bainha, pelas orelhinhas? Vamos logo, para que não chegue às suas orelhas antes que o faça.
Teobaldo
Estou às suas ordens.
(Saca a espada.)
Romeu
Bom Mercúcio, guarde essa espada.
Mercúcio
Vamos, senhor; faça seu passe.
(Lutam.)
Romeu
Benvólio, controlemos essas armas;
Senhores, parem, isso é ultrajante.
Teobaldo, Mercúcio, o próprio príncipe
Proibiu essas lutas em Verona.
Pare, Teobaldo! Pare, bom Mercúcio!
(Teobaldo, por baixo do braço de Romeu, atinge Mercúcio.)
Um Criado
Fuja, Teobaldo.
(Sai Teobaldo com seus seguidores.)
Mercúcio
Estou ferido.
Danem-se as suas casas. ’Stou morto.
Ele se foi, ileso?
Benvólio
Está ferido?
Mercúcio
É só um arranhão. Mas é o bastante.
O meu pajem! Menino, quero um médico!
(Sai o Pajem.)
Romeu
Coragem, homem; o corte é pequeno.
Mercúcio
Não, não é tão fundo quanto um poço nem tão largo quanto uma porta de igreja, mas é o bastante; é o bastante. Procurem-me amanhã e me verão sério como um túmulo. Estou liquidado, eu garanto, para este mundo.
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