Os selvagens socos de Kane só encontraram o ar; seus poderosos braços esguios, em cujo aperto homens fortes já haviam morrido, varriam o nada; suas mãos agarravam o vazio. Nada era sólido ou real, exceto os dedos e as garras curvadas, que o esfolavam, e o olhar ensandecido, que queimava até as profundezas trêmulas da alma.
Kane percebeu que se encontrava, de fato, em uma condição desesperadora. Suas roupas já estavam penduradas em farrapos, e ele sangrava de diversos ferimentos profundos. Mas não hesitou, e a ideia de fugir sequer passou por sua cabeça. Ele jamais fugiu de adversário algum, e se um pensamento desse tipo lhe ocorresse, Kane teria corado de vergonha.
O puritano não viu outro resultado possível: logo, seu corpo estaria deitado ali ao lado dos pedaços da outra vítima, porém tal pensamento não o aterrorizou. Seu único desejo era dar o melhor de si antes que o fim chegasse e, se fosse capaz, que pudesse infligir algum dano ao seu inimigo de outro mundo. Ali, diante do morto despedaçado, Kane defrontou-se, sob a pálida luz do luar, com o demônio, que levava todas as vantagens, exceto uma. E essa seria suficiente para superar as outras: se o ódio abstrato podia transformar um ser fantasmagórico em uma substância material, por que então não poderia a coragem, que é igualmente abstrata, formar uma arma concreta para enfrentar tal fantasma? Kane lutou com todas as suas forças, batendo com braços, pés e mãos, e, por fim, percebeu que o fantasma retrocedeu diante dele, e que a terrível gargalhada havia se transformado em gritos de fúria perplexa. O homem não se acovardava nem diante dos portões do inferno, e sua única arma era a coragem, contra a qual nem mesmo as legiões do demônio podiam sobrepujar.
O resultado do confronto ainda era incerto, mas Kane sabia que as garras que lhe rasgavam e laceravam pareciam ficar mais fracas e vacilantes, e que uma luz selvagem crescia naqueles olhos horríveis. Cambaleando e ofegante, ele investiu; agarrou a coisa afinal e, após ambos tombarem na charneca, ela se contorceu, banhando os membros de Kane como uma serpente de fumaça. A pele dele se arrepiou e seus cabelos ficaram em pé, pois o puritano começava a entender o balbucio da coisa. Kane não a ouvia ou compreendia da maneira natural – como alguém ouve e compreende a fala de outro homem –, mas os segredos terríveis que ela lhe transmitia em sussurros e silêncios pesados, afundaram como dedos de gelo em sua alma. E ele soube!
II
A cabana do velho Ezra, o avarento, ficava ao lado da estrada no meio do pântano, meio oculta pelas árvores pavorosas que cresciam ao seu redor. As paredes estavam podres, o teto desabando, e fungos verdes monstruosos se agarravam e retorciam nas portas e janelas, como se procurassem perscrutar o que ocorria lá dentro. As árvores, como braços cinzentos, entrelaçavam a cabana, compondo uma estranha imagem na penumbra: um monstruoso anão sobre cujos ombros ogros olham de forma lúbrica.
A estrada perfurava o pântano, atravessando tocos podres, montículos de terra fétidos, charcos e atoleiros espumosos cheios de cobras, que rastejavam para além da cabana. Muitas pessoas passavam por ali naqueles dias, mas poucas viam o velho Ezra, salvo um vislumbre de um rosto amarelado, espiando pelas janelas cobertas de fungos, e ele próprio parecendo um horrível fungo.
O velho Ezra partilhava muitas características do pântano, pois era retorcido, arqueado e sombrio; seus dedos eram como plantas parasitas, e seus cabelos pendiam como musgo fastidioso acima do olhar treinado para ver no meio das trevas do pantanal. Seus olhos, contudo, eram como os de um cadáver, insinuando uma repugnante profundeza abissal, como os lagos mortos ao redor daquela estrada.
Aqueles olhos fitaram o homem parado na frente de sua cabana. O homem era alto, esguio e moreno, mas seu rosto estava desfigurado, com marcas de mandíbulas, e seus braços e pernas enfaixados por bandagens. Um pouco atrás dele havia um grupo de aldeões.
– Você é Ezra, da estrada para o pântano?
– Sim, e o que o senhor quer comigo?
– Onde está seu primo Gideon, o jovem louco que mora com você?
– Gideon?
– Sim.
– Ele fugiu para o pântano e nunca mais voltou. Sem dúvida, ele se perdeu e foi atacado por lobos, ou morreu em um atoleiro, ou foi picado por uma cobra.
– Há quanto tempo?
– Por volta de um ano.
– Sim. Escute agora, Ezra, o que chamam de avarento. Logo após o desaparecimento de seu primo, um homem do campo, voltando para casa pela charneca, foi atacado por algum demônio desconhecido e feito em pedaços. A partir de então, tornou-se morte certa cruzar aquela charneca. Primeiro, homens do campo; depois, estranhos que vagavam pelo brejo caíram nas garras da coisa. Muitos já morreram desde aquele primeiro ataque.
– Ontem à noite, eu cruzei a charneca. Escutei a fuga e perseguição de mais uma vítima, um estranho que não sabia sobre a maldição do local. Era uma coisa terrível, Ezra, pois o miserável por duas vezes escapou do demônio, apesar de terrivelmente ferido, mas, em ambas, o demônio o apanhou e o arrastou consigo. Por fim, ele caiu morto aos meus pés, morto de uma maneira capaz de abalar os nervos de qualquer um.
Os aldeões se agitaram, murmurando temerosos uns para os outros, enquanto o velho Ezra encarava furtivamente o puritano. Contudo, a expressão sombria de Solomon Kane não se alterou, e seus olhos de condor pareciam transfixar o avarento.
– Sim, sim! – apressou-se em murmurar o velho Ezra.
1 comment