– Uma coisa ruim, uma coisa ruim! Contudo, por que vem contar isso a mim?

– Sim, é uma história triste. Mas continue escutando, Ezra. O demônio saiu das sombras, e eu lutei contra ele diante do cadáver de sua vítima. Sim, não consigo dizer como eu o superei, pois a batalha foi árdua e longa, mas as forças do bem e da luz estavam ao meu lado, e elas são mais poderosas do que os poderes do inferno.

– Por fim, fui mais forte, e a coisa libertou-se de mim e fugiu. Eu ainda a segui, sem sucesso. Entretanto, antes de fugir, ela sussurrou-me a terrível verdade.

O velho Ezra congelou, olhou-o de forma selvagem, e pareceu encolher para dentro de si.

– Mas por que me contar isto? – ele resmungou.

– Voltei ao vilarejo e contei a minha história – disse Kane – porque sabia que agora temos o poder para livrar a charneca de sua maldição para sempre. Ezra, venha conosco!

– Onde? – resfolegou o avarento.

– Para os carvalhos apodrecidos da charneca.

Ezra recuou como se tivesse sido alvejado; gritou incoerentemente e virou-se para fugir.

No mesmo instante, ao afiado comando de Kane, dois aldeões musculosos deram um passo à frente e seguraram o avarento. Eles arrancaram um punhal de sua mão pálida e agarraram-no pelos braços, tendo arrepios quando seus dedos tocaram a pele pegajosa do velho.

Kane fez um sinal para que o seguissem e, dando meia-volta, subiu a trilha, seguido pelos aldeões, que tiveram grandes dificuldades em sua tarefa de arrastar o prisioneiro consigo. Eles cruzaram o pântano, passando por uma trilha pouco utilizada, que contornava as pequenas colinas, até a charneca.

O Sol deslizava horizonte abaixo, e o velho Ezra observou o grupo firmemente, com olhos esbugalhados, encarando-os como se não pudesse ver o bastante. Ao longe, na charneca, reinava o enorme carvalho, como um patíbulo, que agora era apenas uma casca apodrecida. Lá, Solomon Kane parou.

O velho Ezra contorceu-se nas mãos dos seus captores e emitiu sons inarticulados.

– Por volta de um ano atrás – disse o puritano –, você, temendo que seu primo, o insano Gideon, contasse aos homens sobre as crueldades que fazia com ele, o trouxe por esta mesma trilha que tomamos e o assassinou aqui, na calada da noite.

Ezra se encolheu e rosnou.

– Você não pode provar essa mentira!

Kane disse algumas palavras a um aldeão jovem, que, agilmente, escalou o tronco podre da árvore. De uma fenda lá no alto ele puxou algo que caiu ruidosamente aos pés do avarento. Ezra perdeu o controle, soltando um grito terrível.

Era o esqueleto de um homem com o crânio rachado.

– Você... Como sabia disso? Você é Satanás! – gaguejou o velho Ezra.

Kane cruzou os braços.

– A coisa contra a qual lutei na noite passada contou-me isso, enquanto nos engalfinhávamos em batalha, e eu a segui até esta árvore. Porque o demônio é o fantasma de Gideon.

Ezra gritou novamente e, no ímpeto do ódio, lutou contra seus captores.

– Você sabia – disse Kane com ar sinistro. – Sabia qual coisa cometia esses atos inomináveis. Você temia o fantasma do louco, e foi por isso que decidiu deixar seu corpo na charneca, em vez de escondê-lo no pântano. Pois sabia que o fantasma assombraria o lugar onde morreu assassinado. Ele foi louco em vida e, depois de morto, não sabia onde encontrar seu assassino; do contrário, teria ido buscá-lo em sua cabana. Ele não odeia homem algum além de você. Seu espírito confuso, porém, não distingue um homem do outro, e mata qualquer um que passe por aqui, para não permitir que seu assassino escape. Todavia, ele irá reconhecê-lo e, depois, poderá descansar em paz para todo o sempre. O ódio transformou o fantasma de Gideon em algo sólido, capaz de rasgar e matar, e ainda que ele o temesse terrivelmente em vida, agora, na morte, não sente medo algum.

Kane parou e vislumbrou o Sol.

– Foi isso o que escutei do fantasma de Gideon por meio dos seus lamentos e sussurros, que me revelaram seu segredo sinistro. Nada além de sua morte trará paz a esse fantasma.

Ezra escutava em silêncio, porém ofegante, e Kane proferiu as palavras de sua perdição.

– É algo muito difícil – afirmou Kane, taciturno – condenar um homem à morte, a sangue frio e da forma que tenho em mente, mas você terá de morrer para que outros possam viver... E Deus sabe que você merece a morte.

Após breve pausa, acrescentou:

– Não morrerá pela forca, tiro ou espada, mas pelas garras daquele que você assassinou, pois nada mais o saciará.

A sentença despedaçou o equilíbrio de Ezra. Seus joelhos cederam, e o velho caiu aos gritos, rastejando e implorando para ser morto na fogueira, para ser esfolado vivo. O rosto de Kane ficou rijo como a morte, e os aldeões, tendo sua crueldade potencializada pelo medo, amarraram o desgraçado ao carvalho. Um deles ainda lhe ordenou que fizesse as pazes com Deus. Mas Ezra não aceitou o conselho, disparando impropérios com uma insuportável voz aguda. Então, o aldeão começou a socar o rosto do avarento, mas Kane interrompeu a agressão.

– Que ele faça as pazes com Satã, a quem é mais provável que encontre – falou o puritano austeramente.