Tarde

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Universidade da Amazônia

Tarde

de Olavo Bilac

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Tarde

de Olavo Bilac

À memória

de

José do Patrocínio,

meu amigo,

é dedicado este livro.

8 outubro - 1918.

O. B.

"... La nostra vita è siccome uno arco montando e volgendo... Avemo dunque che Ia

gioventute nel quarantacinquesimo anno se compie: e siccome I'adolescenza è in

venticinque anni che procede montando alia gioventute; cosí il discendere, cioè la

senettute, è altrettanto tempo che succede alla gioventute; e cosí si termina Ia

senettute nel settantesimo anno... Dov'é da sapere che la nostra buona e diritta

natura ragionevolmente procede in noi, siccome vedemo procedere la natura delle

piante in quelle; e però altri costumi e altri portamenti sono ragionevoli ad una età più

che ad altre; nelli quali I'anima nobilitata ordinariamente procede per una semplice

via, usando li suoi atti nelli loro tempi e etadi siccome al'ultimo suo frutto sono

ordinari."

(DANTE - "Il Convito", trat. quarto, cap. XXIV.)

Hino á Tarde

Glória jovem do sol no berço de ouro em chamas,

Alva! natal da luz, primavera do dia,

Não te amo! nem a ti, canícula bravia,

Que a ti mesma te estruis no fogo que derramas!

Amo-te, hora hesitante em que se preludia

O adágio vesperal, — tumba que te recamas

De luto e de esplendor, de crepes e auriflamas,

Moribunda que ris sobre a própria agonia!

Amo-te, ó tarde triste, ó tarde augusta, que, entre

Os primeiros clarões das estrelas, no ventre,

Sob os véus do mistério e da sombra orvalhada,

Trazes a palpitar, como um fruto do outono,

A noite, alma nutriz da volúpia e do sono,

Perpetuação da vida e iniciação do nada.

Ciclo

Manhã. Sangue em delírio, verde gomo,

Promessa ardente, berço e liminar:

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A árvore pulsa, no primeiro assomo

Da vida, inchando a seiva ao sol... Sonhar!

Dia. A flor, — o noivado e o beijo, como

Em perfumes um tálamo e um altar:

A arvore abre-se em riso, espera o pomo,

E canta à voz dos pássaros... Amar!

Tarde. Messe e esplendor, glória e tributo;

A árvore maternal levanta o fruto,

A hóstia da idéia em perfeição... Pensar!

Noite. Oh! saudade!... A dolorosa rama

Da árvore aflita pelo chão derrama

As folhas, como lágrimas... Lembrar!

Pátria

Pátria, latejo em ti, no teu lenho, por onde

Circulo! e sou perfume, e sombra, e sol, e orvalho!

E, em seiva, ao teu clamor a minha voz responde,

E subo do teu cerne ao céu de galho em galho!

Dos teus liquens, dos teus cipós, da tua fronde,

Do ninho que gorjeia em teu doce agasalho,

Do fruto a amadurar que em teu seio se esconde,

De ti, - rebento em luz e em cânticos me espalho!

Vivo, choro em teu pranto; e, em teus dias felizes,

No alto, como uma flor, em ti, pompeio e exulto!

E eu, morto, - sendo tu cheia de cicatrizes,

Tu golpeada e insultada, — eu tremerei sepulto:

E os meus ossos no chão, como as tuas raízes,

Se estorcerão de dor, sofrendo o golpe e o insulto!

Língua Portuguesa

Ultima flor do Lácio, inculta e bela,

És, a um tempo, esplendor e sepultura:

Ouro nativo, que na ganga impura

A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amo-te assim, desconhecida e obscura,

Tuba de alto clangor, lira singela

Que tens o trom e o silvo da procela,

E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma

De virgens selvas e de oceano largo!

Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

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Em que da voz materna ouvi: "meu filho!",

E em que Camões chorou, no exílio amargo,

O gênio sem ventura e o amor sem brilho!

Música Brasileira

Tens, às vezes, o fogo soberano

Do amor: encerras na cadência, acesa

Em requebros e encantos de impureza,

Todo o feitiço do pecado humano.

Mas, sobre essa volúpia, erra a tristeza

Dos desertos, das matas e do oceano:

Bárbara poracé, banzo africano,

E soluços de trova portuguesa.

És samba e jongo, xiba e fado, cujos

Acordes são desejos e orfandades

De selvagens, cativos e marujos:

E em nostalgias e paixões consistes,

Lasciva dor, beijo de três saudades,

Flor amorosa de três raças tristes.

Anchieta

Cavaleiro da mística aventura,

Herói cristão! nas provações atrozes

Sonhas, casando a tua voz às vozes

Dos ventos e dos rios na espessura:

Entrando as brenhas, teu amor procura

Os índios, ora filhos, ora algozes,

Aves pela inocência, e onças ferozes

Pela bruteza, na floresta escura.

Semeador de esperanças e quimeras,

Bandeirante de "entradas" mais suaves,

Nos espinhos a carne dilaceras:

E, porque as almas e os sertões desbraves,

Cantas: Orfeu humanizando as feras,

São Francisco de Assis pregando às aves...

Caos

No fundo do meu ser, ouço e suspeito

Um pélago em suspiros e rajadas:

Milhões de vivas almas sepultadas,

Cidades submergidas no meu peito.

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Às vezes, um torpor de águas paradas...

Mas, de repente, um temporal desfeito:

Festa, agonia, júbilo, despeito,

Clamor de sinos, retintim de espadas,

Procissões e motins, glórias e luto,

Choro e hosana... Ferver de sangue novo,

Fermentação de um mundo agreste e bruto...