E há na esperança, de que me comovo,

E na grita de dúvidas, que escuto,

A incerteza e a alvorada do meu povo!

Diziam que...

"Diziam que, entre as nações sobreditas, moravam algumas monstruosas.

Uma é de anãos, de estatura tão pequena, que parecem afronta dos homens; -

chamados Goiasis.

Outra é de casta de gente, que nasce com os pés ás avessas, de maneira que quem

houver de seguir seu caminho há de andar ao revés do que vão mostrando as

pisadas; chamam-se Matuius.

Outra é de homens gigantes, de dezesseis palmos de alto, adornados de pedaços

de ouro por beiços e narizes, e aos quais todos os outros pagam respeito; têm por

nome Curinqueás.

Finalmente que há outra nação de mulheres, também monstruosas no modo do viver

(são as que hoje chamamos Amazonas, e de que tomou o nome o rio) porque são

guerreiras, que vivem por si só sem comércio de homens; vivem entre grandes

montanhas; são mulheres de valor conhecido...

Padre Simão de Vasconcelos.

(Crônica da Companhia de Jesus no Estado do Brasil, 1663, Liv. I, cap. 31.)

I

Os Monstros

Não me perdi numa ilusão... Perdi-me

Na existência, entre os homens. E encontrei-os,

Vivos, bem vivos! — Estes monstros feios,

Cujo peso afrontoso a terra oprime.

Mas há monstros no bem, como no crime:

Outros houve, que em hinos e gorjeios

Talvez viveram e morreram, cheios

De extrema formosura e ardor sublime.

Ah! no dia da cólera tremenda,

Os monstros bons, agora fugitivos

Desta míngua de fé que nos infama,

Ressurgirão no epílogo da lenda:

Os mortos voltarão varrendo os vivos,

E os maus se afogarão na própria lama!

5

www.nead.unama.br

II

Os Goiasis

Ainda viveis, espíritos obscenos,

Como nos dias do Brasil inculto,

Na inteligência anãos, como no vulto;

Como no corpo, no moral pequenos.

Espremeis a impotência do ódio estulto

Em pérfidos esguichos de venenos..

Tendes baixeza em tudo: nem, ao menos,

Força na inveja e elevação no insulto!

Répteis humanos, no coleio dobre

De rastos babujais templos e lares;

Contra os bons, contra os fortes de alma nobre,

Línguas e dentes dardejais nos ares:

Mas só podeis ferir, na raiva pobre,

Em vez dos corações, os calcanhares.

III

Os Matuius

De pés virados, marcha avessa e rude,

Dedos atrás, calcâneos para a frente,

Ainda viveis, mentores sem virtude,

Que a verdade escondeis à vossa gente!

Sabeis, — e errais propositadamente,

Traidores nas lições e na atitude:

Aos corações o vosso exemplo mente,

Como no solo o vosso rasto ilude.

Pobre quem calca o vosso piso errado:

Em vez da liberdade encontra um muro;

Pedindo a salvação, cai num pecado;

E acha em lugar da glória o lodo impuro:

Para seguir-vos, vai para o passado;

Por imitar-vos, foge do futuro.

IV

Os Curinqueãs

Ainda viveis! Conheço-vos, felizes

Morubixabas de ambições astutas,

Que em desgraçadas e mesquinhas lutas

Desgovernais misérrimos países!

6

www.nead.unama.br

Já tendes paços em lugar de grutas...

Mas, apesar do tempo e dos vernizes,

- Se os não trazeis por beiços e narizes,

Os botoques guardais nas almas brutas.

Pobres de idéias, ávidos de foros,

Rudes pastores de servil rebanho,

Espirrais arrogância pelos poros...

Sois sempre os mesmos Curinqueãs de antanho:

Vastos e estéreis, ocos e sonoros,

Unicamente grandes no tamanho!

V

As Amazonas

Nem sempre durareis, eras sombrias

De miséria moral! A aurora esperas,

Ó Pátria! e ela virá, com outras eras,

Outro sol, outra crença em outros dias!

Davi renascerá contra Golias,

Alcides contra os pântanos e as feras:

Os corações serão como crateras,

E hão de em lavas mudar-se as cinzas frias.

As nobres ambições, força e bondade,

Justiça e paz virão sobre estas zonas,

Da confusa fusão da ardente escória.

E, na sua divina majestade,

Virgens, reviverão as Amazonas

Na cavalgada esplêndida da glória!

O Vale

Sou como um vale, numa tarde fria,

Quando as almas dos sinos, de uma em uma,

No soluçoso adeus da ave-maria

Expiram longamente pela bruma.

É pobre a minha messe. É névoa e espuma

Toda a glória e o trabalho em que eu ardia...

Mas a resignação doura e perfuma

A tristeza do termo do meu dia.

Adormecendo, no meu sonho incerto

Tenho a ilusão do prêmio que ambiciono:

Cai o céu sobre mim em pirilampos...

E num recolhimento a Deus oferto

7

www.nead.unama.br

O cansado labor e o inquieto sono

Das minhas povoações e dos meus campos.

A Montanha

Calma, entre os ventos, em lufadas cheias

De um vago sussurrar de ladainha,

Sacerdotisa em prece, o vulto alteias

Do vale, quando a noite se avizinha:

Rezas sobre os desertos e as areias,

Sobre as florestas e a amplidão marinha;

E, ajoelhadas, rodeiam-te as aldeias,

Mudas servas aos pés de uma rainha.