E não houve perfídias nem venenos
Entre os nossos espíritos serenos,
Que a saudade do prólogo embalsama.
Bendigamos o amor que foi tão curto,
O sonho vago que expirou tão cedo,
Sossobrado no porto antes do surto!
Feliz o idílio que não teve história!
Salvando-nos do tédio, o nosso medo
Foi uma porta de ouro para a glória!
Assombração
Conheço um coração, tapera escura,
Casa assombrada, onde andam penitentes
Sombras e ecos de amor, e em que perdura
A saudade, presença dos ausentes.
Evadidos da paz da sepultura,
Num tatalar de tíbias e de dentes,
Revivem os fantasmas da ternura,
Arrastando sudários e correntes.
Rangem os gonzos no bater das portas,
E os corredores enchem-se de prantos...
Um mundo de avejões do chão se eleva,
Ressuscitado pelas horas mortas:
Frios abraços gemem pelos cantos,
Beijos defuntos fogem pela treva.
Palmeira Imperial
Mostras na glória um coração mesquinho...
Numa beleza esplêndida, que aterra,
Passas desencadeando um ar de guerra,
Sem deixar um perfume no caminho.
Como a palmeira, não susténs um ninho!
Não és filha, mas hóspeda da Terra;
Subjugando a planície, na alta serra,
- Cruel às aves, seca de carinho.
Ha no deslumbramento do teu porte
Tédio, orgulho, desdém: talvez saudade
De outra vida, ambição talvez da morte...
Como a palmeira, tens a majestade,
E dela tens a desgraçada sorte:
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A avareza da sombra e da piedade.
Diamante Negro
Vi-te uma vez, e estremeci de medo...
Havia susto no ar, quando passavas:
Vida morta enterrada num segredo,
Letárgico vulcão de ignotas lavas.
Ias como quem vai para um degredo,
De invisíveis grilhões as mãos escravas,
A marcha dúbia, o olhar turvado e quedo
No roxo abismo das olheiras cavas...
Aonde ias? aonde vais? Foge o teu vulto;
Mas fica o assombro do teu passo errante,
E fica o sopro desse inferno oculto,
O horrível fogo que contigo levas,
Incompreendido mal, negro diamante,
Sol sinistro e abafado ardendo em trevas.
Palavras
As palavras do amor expiram como os versos,
Com que adoço a amargura e embalo o pensamento:
Vagos clarões, vapor de perfumes dispersos,
Vidas que não têm vida, existências que invento;
Esplendor cedo morto, ânsia breve, universos
De pó, que um sopro espalha ao torvelim do vento,
Raios de sol, no oceano entre as águas imersos,
- As palavras da fé vivem num só momento...
Mas as palavras más, as do ódio e do despeito,
O "não!" que desengana, o "nunca!" que alucina,
E as do aleive, em baldões, e as da mofa, em risadas,
Abrasam-nos o ouvido e entram-nos pelo peito:
Ficam no coração, numa inércia assassina,
Imóveis e imortais, como pedras geladas.
Marcha Fúnebre
"Thamuz, Thamuz, panmegas tethneke!...
Como se ouviu no Epiro, outrora, o extremo grito
"Pã morreu!", - na amplidão reboe o meu lamento:
Torpe a ambição, perdido o amor, inane o alento,
Nestas baixas paixões de um século maldito!
Rolem trenos no oceano e elegias no vento!
Concentrai-vos na dor do funerário rito,
O asas e ilusões num miserere aflito,
E, ó flores num responso, e, ó sonhos num memento!
Bocas, bradando ao céu de minuto em minuto,
Olhos, velando a terra em sudários de pranto,
Corações, num rufar de tambores em luto,
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Guaiai, carpi, gemei! e ecoai de porto a porto,
De mar a mar, de mundo a mundo, a queixa e o espanto:
O grande Pá morreu de novo! O Ideal é morto!
O Tear
A fieira zumbe, o piso estala, chia
O liço, range o estambre na cadeia;
A máquina dos Tempos, dia a dia,
Na música monótona vozeia.
Sem pressa, sem pesar, sem alegria,
Sem alma, o Tecelão, que cabeceia,
Carda, retorce, estira, asseda, fia,
Doba e entrelaça, na infindável teia.
Treva e luz, ódio e amor, beijo e queixume,
Consolação e raiva, gelo e chama
Combinam-se e consomem-se no urdume.
Sem princípio e sem fim, eternamente
Passa e repassa a aborrecida trama
Nas mãos do Tecelão indiferente...
O Cometa
Um cometa passava... Em luz, na penedia,
Na erva, no inseto, em tudo uma alma rebrilhava;
Entregava-se ao sol a terra, como escrava:
Ferviam sangue e seiva. E o cometa fugia...
Assolavam a terra o terremoto, a lava,
A água, o ciclone, a guerra, a fome, a epidemia;
Mas renascia o amor, o orgulho revivia,
Passavam religiões... E o cometa passava,
E fugia, riçando a ígnea cauda flava.
Fenecia uma raça; a solidão bravia
Povoava-se outra vez. E o cometa voltava...
Escoava-se o tropel das eras, dia a dia:
E tudo, desde a pedra ao homem, proclamava
A sua eternidade! E o cometa sorria...
Diálogo
O mancebo perfeito e o velho humilde e rude
Viram-se.
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