Ardes, num holocausto de ternura...

E abres, piedosa, a solidão bravia

Para as águias e as nuvens, a acolhê-las;

E invades, como um sonho, a imensa altura,

- Ultima a receber o adeus do dia,

Primeira a ter a bênção das estrelas!

Os Rios

Magoados, ao crepúsculo dormente,

Ora em rebojos galopantes, ora

Em desmaios de pena e de demora,

Rios, chorais amarguradamente,

Desejais regressar... Mas, leito em fora,

Correis... E misturais pela corrente

Um desejo e uma angústia, entre a nascente

De onde vindes, e a foz que vos devora.

Sofreis da pressa, e, a um tempo, da lembrança.

Pois no vosso clamor, que a sombra invade,

No vosso pranto, que no mar se lança,

Rios tristes! agita-se a ansiedade

De todos os que vivem de esperança,

De todos os que morrem de saudade...

As Estrelas

Desenrola-se a sombra no regaço

Da morna tarde, no esmaiado anil;

Dorme, no ofego do calor febril,

A natureza, mole de cansaço.

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Vagarosas estrelas! passo a passo,

O aprisco desertando, às mil e às mil,

Vindes do ignoto seio do redil

Num compacto rebanho, e encheis o espaço...

E, enquanto, lentas, sobre a paz terrena,

Vos tresmalhais tremulamente a flux,

— Uma divina música serena

Desce rolando pela vossa luz:

Cuida-se ouvir, ovelhas de ouro! a avena

Do invisível pastor que vos conduz...

As Nuvens

Nuvem, que me consolas e contristas,

Tenho o teu gênio e o teu labor ingrato:

Essas arquiteturas imprevistas

São como as construções em que me mato...

Nunca vemos, misérrimos artistas,

A vitória deste ímpeto insensato:

A um sopro benfazejo, que conquistas!

A um hálito cruel, que desbarato!

Nuvens de terra e céu, brincos do vento,

Vai-se-nos breve a essência no ar varrida...

Irmã, que importa? ao menos, num momento,

No fastígio falaz da nossa lida,

Tu, nas miragens, e eu, no pensamento,

Somos a força e a afirmação da Vida!

As Árvores

Na celagem vermelha, que se banha

Da rutilante imolação do dia,

As árvores, ao longe, na montanha,

Retorcem-se espectrais à ventania.

Árvores negras, que visão estranha

Vos aterra? Que horror vos arrepia?

Que pesadelo os troncos vos assanha,

Descabelando a vossa rumaria?

Tendes alma também... Amais o seio

Da terra; mas sonhais, como sonhamos,

Bracejais, como nós, no mesmo anseio...

Infelizes, no píncaro do monte,

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(Ah! Não ter asas!...) estendeis os ramos

À esperança e ao mistério do horizonte.

As Ondas

Entre as trêmulas mornas ardentias,

A noite no alto-mar anima as ondas.

Sobem das fundas úmidas Golcondas,

Pérolas vivas, as nereidas frias:

Entrelaçam-se, correm fugidias,

Voltam, cruzando-se; e, em lascivas rondas,

Vestem as formas alvas e redondas

De algas roxas e glaucas pedrarias.

Coxas de vago ônix, ventres polidos

De alabastro, quadris de argêntea espuma,

Seios de dúbia opala ardem na treva;

E bocas verdes, cheias de gemidos,

Que o fósforo incendeia e o âmbar perfuma,

Soluçam beijos vãos que o vento leva...

Crepúsculo na Mata

Na tarde tropical, arfa e pesa a atmosfera.

A vida, na floresta abafada e sonora,

Úmida exalação de aromas evapora,

E no sangue, na seiva e no húmus acelera.

Tudo, entre sombras, — o ar e o chão, a fauna e a flora,

A erva e o pássaro, a pedra e o tronco, os ninhos e a hera,

A água e o réptil, a folha e o inseto, a flor e a fera,

— Tudo vozeia e estala em estos de pletora.

O amor apresta o gozo e o sacrifício na ara:

Guinchos, berros, zinir, silvar, ululos de ira,

Ruflos, chilros, frufrus, balidos de ternura...

Súbito, a excitação declina, a febre pára:

E misteriosamente, em gemido que expira,

Um surdo beijo morno alquebra a mata escura...

Sonata ao Crepúsculo

Trompas do sol, borés do mar, tubas da mata,

Esfalfai-vos, rugindo, — e emudecei... Apenas,

Agora, trilem no ar, como em cristal e prata,

Rústicos tamborins e pastoris avenas.

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Trescala o campo, e incensa o ocaso, numa oblata.

- Surgem da Idade de Ouro, em paisagens serenas,

Os deuses; Eros sonha; e, acordando à sonata,

Bailam rindo as subtis alípedes Camenas.

Depois, na sombra, à voz das cornamusas graves,

Termina a pastoral num lento epitalâmio...

Cala-se o vento... Expira a surdina das aves.