Dobra o sino... Soluça um verso de Dirceu...

Sobre a triste Ouro Preto o ouro dos astros chove.

New York

Resplandeces e ris, ardes e tumultuas;

Na escalada do céu, galgando em fúria o espaço,

Sobem do teu tear de praças e de ruas

Atlas de ferro, Anteus de pedra e Brontes de aço.

Gloriosa! Prometeu revive em teu regaço,

Delira no teu gênio, enche as artérias tuas,

E combure-te a entranha arfante de cansaço,

Na incessante criação de assombros em que estuas.

Mas, com as tuas Babéis, debalde o céu recortas,

E pesas sobre o mar, quando o teu vulto assoma,

Como a recordação da Tebas de cem portas:

Falta-te o Tempo, — o vago, o religioso aroma

Que se respira no ar de Lutécia e de Roma,

Sempre moço perfume ancião de idades mortas...

Último Carnaval

Íncola de Suburra ou de Sibarís,

Nasceste em saturnal; viveste, estulto,

Na folia das feiras, no tumulto

Dos caravançarás e dos bazares;

Morreste, em plena orgia, entre os esgares

Dos arlequins, no delirante culto;

E a saudade terás, depois sepulto,

Herói folião, dos carnavais hílares...

Talvez, quem sabe? a cova, que te esconda,

Uma noite, entre fogos-fátuos, se abra,

Como uma boca escancarada em risos:

E saltarás, pinchando, numa ronda

De espectros aos tantãs, dança macabra

De esqueletos e lêmures aos guizos.

Fogo-Fátuo

Cabelos brancos! Dai-me, enfim, a calma

A esta tortura de homem e de artista:

Desdém pelo que encerra a minha palma,

E ambição pelo mais que não exista;

Esta febre, que o espírito me encalma

E logo me enregela; esta conquista

De idéias, ao nascer, morrendo na alma,

De mundos, ao raiar, murchando à vista:

Esta melancolia sem remédio,

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Saudade sem razão, louca esperança

Ardendo em choros e findando em tédio;

Esta ansiedade absurda, esta corrida

Para fugir o que o meu sonho alcança,

Para querer o que não há na vida!

Inocência

Como, em vez de uma paz desiludida,

Posso eu ter, nesta idade, esta confiança,

Que me leva a correr a toda brida

Na pista de uma sombra de esperança?

Esta velhice ingênua me intimida:

Tanto ardor, tanta fé, que me não cansa,

E, em mais de meio século de vida,

Tanta credulidade de criança!

Rio, inocente, ao sol, como uma rosa;

Ainda arquiteto mundos sobre a areia;

Anoiteço em miragem luminosa.

E ainda imagino a minha taça cheia,

E emborco-a: "Oh! Vida!..."; e quero-a, e acho-a formosa,

Como se não soubesse quanto é feia!

Remorso

Às vezes, uma dor me desespera...

Nestas ânsias e dúvidas em que ando,

Cismo e padeço, neste outono, quando

Calculo o que perdi na primavera.

Versos e amores sufoquei calando,

Sem os gozar numa explosão sincera...

Ah! mais cem vidas! com que ardor quisera

Mais viver, mais penar e amar cantando!

Sinto o que esperdicei na juventude;

Choro, neste começo de velhice,

Mártir da hipocrisia ou da virtude,

Os beijos que não tive por tolice,

Por timidez o que sofrer não pude,

E por pudor os versos que não disse!

Milagre

Depois de tantos anos, frente a frente,

Um encontro... O fantasma do meu sonho!

E, de cabelos brancos, mudamente,

Quedamos frios, num olhar tristonho.

Velhos!... Mas, quando, ansioso, de repente,

Nas suas mãos as minhas palmas ponho,

Ressurge a nossa primavera ardente,

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Na terra em bênçãos, sob um sol risonho:

Felizes, num prestígio, estremecemos;

Deliramos, na luz que nos invade

Dos redivivos êxtases supremos;

E fulgimos, volvendo à mocidade,

Aureolados dos beijos que tivemos,

No divino milagre da saudade.

A Cilada

O perfume, o silêncio, a sombra... Os ninhos

Emudecem... E temos, sonhadores,

A humildade das ervas nos caminhos

E uma inocência de anjos entre as flores.

Mas há na tarde morna ignotos vinhos,

Secretos filtros, pérfidos vapores,

Amavios, feitiços e carinhos

Moles, quebrados e perturbadores...

E, de repente, o incêndio dos sentidos:

As mãos frias tateando na ansiedade,

As bocas que se buscam num queixume,

E o corpo, o sangue, o espírito perdidos,

E a febre, e os beijos... e a cumplicidade

Da sombra, do silêncio, do perfume...

Perfeição

Nunca entrarei jamais o teu recinto:

Na sedução e no fulgor que exalas,

Ficas vedada, num radiante cinto

De riquezas, de gozos e de galas.

Amo-te, cobiçando-te... —. E, faminto,

Adivinho o esplendor das tuas salas,

E todo o aroma dos teus parques sinto,

E ouço a música e o sonho em que te embalas.

Eternamente ao meu olhar pompeias,

E olho-te em vão, maravilhosa e bela,

Adarvada de altíssimas ameias.

E à noite, à luz dos astros, a horas mortas,

Rondo-te, e arquejo, e choro, ó cidadela!

Como um bárbaro uivando às tuas portas!

Messídoro

Por que chorar? Exulta, satisfeita!

És, quando a mocidade te abandona,

Mais que bela mulher, mulher perfeita,

Do completo fulgor senhora e dona.

As derradeiras messes aproveita,

E goza! A antevelhice é uma Pomona,

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Que, se esmerando na final colheita

Dos frutos áureos, a paixão sazona.

Ama! e frui o delírio, a febre, o ciúme,

E todo o amor! E morre como um dia

Em fogo, como um dia que resume

Toda a vida, em anseios, em poesia,

Em glória, em luz, em música, em perfume,

Em beijos, numa esplêndida agonia!

Samaritana

Numa volta de estrada, em sede insana,

Vi-te.