honra-me sobremaneira… (a Clara) Minha senhora! (a Pedro Alves) Até logo, meu amigo!
CENA V
CLARA, PEDRO ALVES
PEDRO ALVES
Ouviu como está contente? Reconheço que não há nada para curar uma paixão do que seja uma viagem.
CLARA
Ainda se lembra disso?
PEDRO ALVES
Se me lembro!
CLARA
E teria ele paixão?
PEDRO ALVES
Teve. Posso afiançar que a participação do nosso casamento causou-lhe a maior dor deste mundo.
CLARA
Acha?
PEDRO ALVES
É que o gracejo era pesado demais.
CLARA
Se assim é, mostrou-se generoso, porque mal chegou, já nos veio visitar.
PEDRO ALVES
Também é verdade. Fico conhecendo que as viagens são um excelente remédio para curar paixão.
CLARA
Tenha cuidado.
PEDRO ALVES
Em quê?
CLARA
Em não soltar alguma palavra a esse respeito.
PEDRO ALVES
Descanse, porque eu, além de compreender as conveniências, simpatizo com este moço e agradam-me as suas maneiras. Creio que não há crime nisto, pelo que se passou há cinco anos.
CLARA
Ora, crime!
PEDRO ALVES
Demais, ele mostrou-se hoje tão contente como o nosso casamento, que parece completamente estranho a ele.
CLARA
Pois não vê que é um cavalheiro perfeito? Obrar de outro modo seria cobrir-se de ridículo.
PEDRO ALVES
Bem, são onze horas, vou para câmara.
CLARA
(da porta)
Volta cedo?
PEDRO ALVES
Mal acabar a sessão. O meu chapéu? Ah! (vai buscá-lo a uma mesa. Clara sai) Vamos lá com esta famosa votação.
CENA VI
LUÍS, PEDRO ALVES
PEDRO ALVES
Oh!
LUÍS
O comendador não estava em casa, lá deixei o meu cartão de visita. Aonde vai?
PEDRO ALVES
À câmara.
LUÍS
Ah!
PEDRO ALVES
Venha comigo.
LUÍS
Não se pode demorar alguns minutos?
PEDRO ALVES
Posso.
LUÍS
Pois conversemos.
PEDRO ALVES
Dou-lhe meia hora.
LUÍS
Demais o seu boleeiro dorme tão a sono solto que é uma pena acordá-lo.
PEDRO ALVES
O tratante não faz outra coisa.
LUÍS
O que lhe vou comunicar é grave e importante.
PEDRO ALVES
Não me assuste.
LUÍS
Não há de quê. Ouça, porém. Chegado há três dias, tive eu tempo de ir ontem mesmo a um baile. Estava com sede de voltar à vida ativa em que me eduquei e não perdi a oportunidade.
PEDRO ALVES
Compreendo a sofreguidão.
LUÍS
O baile foi na casa do colégio da sua enteada.
PEDRO ALVES
Minha mulher não foi por causa de um leve incômodo. Dizem que esteve uma bonita função.
LUÍS
É verdade.
PEDRO ALVES
Não achou a Clarinha uma bonita moça?
LUÍS
Se achei bonita? Tanto que venho pedi-la em casamento.
PEDRO ALVES
Oh!
LUÍS
De que se admira? Acha extraordinário?
PEDRO ALVES
Não, pelo contrário, acho natural.
LUÍS
Faço-lhe o pedido com franqueza; peço-lhe que responda com igual franqueza.
PEDRO ALVES
Oh! Da minha parte a resposta é toda afirmativa.
LUÍS
Posso contar com igual resposta da outra parte?
PEDRO ALVES
Se houver dúvida, aqui estou eu para pleitear a sua casa.
LUÍS
Tanto melhor.
PEDRO ALVES
Tencionávamos trazê-la amanhã cedo para casa.
LUÍS
Graças a Deus! Cheguei a tempo.
PEDRO ALVES
Com franqueza, causa-me com isso um grande prazer.
LUÍS
Sim?
PEDRO ALVES
Confirmaremos pelos laços do parentesco os vínculos da simpatia.
LUÍS
Obrigado. O casamento é contagioso, e a felicidade alheia é um estímulo. Quando ontem saí do baile trouxe o coração aceso, mas nada tinha assentado de definitivo. Porém tanto lhe ouvi falar de sua felicidade que não pude deixar de pedir-lhe me auxilie no intento de ser também feliz.
PEDRO ALVES
Bem lhe dizia eu há pouco que havia de me acompanhar os passos.
LUÍS
Achei essa moça, que apenas sai da infância, tão simples e tão cândida, que não pude deixar de olhá-la como o gênio benfazejo da minha sorte futura. Não sei se ao meu pedido corresponderá à vontade dela, mas resigno-me às consequências.
PEDRO ALVES
Tudo será feito a seu favor.
LUÍS
Eu mesmo irei pedi-la à Sra. D. Clara. Se porventura encontrar oposição, peço-lhe então que interceda por mim.
PEDRO ALVES
Fica entendido.
LUÍS
Hoje que volto ao repouso, creio que me fará bem a vida pacífica, no meio dos afagos de uma esposa terna e bonita. Para que o pássaro não torne a abrir as asas, é preciso dar-lhe gaiola e uma linda gaiola.
PEDRO ALVES
Bem; eu vou para câmara e volto apenas acabada a votação. Fique aqui e exponha a sua causa à minha mulher que o ouvirá com benevolência.
LUÍS
Dá-me esperanças?
PEDRO ALVES
Todas. Seja firme e instante.
CENA VII
CLARA, LUÍS
LUÍS
Parece-me que vou entrar em uma batalha.
CLARA
Ah! não esperava encontrá-lo.
LUÍS
Estive com o Sr. Pedro Alves. Neste momento foi ele para a câmara. Ouça: lá partiu o carro.
CLARA
Conversaram muito?
LUÍS
Alguma coisa, minha senhora.
CLARA
Como bons amigos?
LUÍS
Como excelentes amigos.
CLARA
Contou-lhe a sua viagem?
LUÍS
Já tive a honra de dizer a V. Exa. que a minha viagem pede muito tempo para ser narrada.
CLARA
Escreva-a então. Há muito episódio?
LUÍS
Episódios de viagem, tão-somente, mas que trazem sempre a sua novidade.
CLARA
O seu escrito brilhará pela imaginação, pelos belos achados da sua fantasia.
LUÍS
É o meu pecado original.
CLARA
Pecado?
LUÍS
A imaginação.
CLARA
Não vejo pecado nisso.
LUÍS
A fantasia é um vidro de cor, um óculo brilhante, porém mentiroso…
CLARA
Não me lembra de lhe ter dito isso.
LUÍS
Também eu não digo que V. Exa. mo tenha dito.
CLARA
Faz mal em vir do deserto, só para recordar algumas palavras que me escaparam há cinco anos.
LUÍS
Repeti-as como de autoridade. Não eram a sua opinião?
CLARA
Se quer que lhe minta, respondo afirmativamente.
LUÍS
Então deveras vale alguma coisa elevar-se acima dos espíritos vulgares e ver a realidade das coisas pela porta da imaginação?
CLARA
Se vale! A vida fora bem prosaica se lhe não emprestássemos cores nossas e não a vestíssemos à nossa maneira.
LUÍS
Perdão, mas…
CLARA
Pode averbar-me de suspeita, está no seu direito.
1 comment