O primeiro era ir-se embora.
O segundo era ir-lhe às orelhas. Preferiu o segundo.
Encaminhou-se para André Soares; alçou delicadamente as mãos às orelhas dele; agarrou-lhas, sacudiu-lhe a cabeça e, antes que o infeliz tivesse tempo de se defender, saiu pela porta fora.
André Soares ainda saiu à rua, mas fosse medo, vergonha, ou qualquer outra causa, não se atreveu a ir brigar com ele em público; limitou-se a tomar os nomes do dono da casa e do caixeiro para o caso de dar queixa contra o agressor, e saiu dali para casa.
Em caminho, porém, teve idéia de ir à casa da viúva.
— É claro que eles se amam, pensou ele; mas eu preciso antes de abater as armas mostrar o que sou e o que valho. Hei de dizer a essa pérfida aquilo que ela não pensa ouvir.
Estava André Soares em plena regateirice; nem eu o dou por freqüentador de salões aristocráticos. Demais, o amor faz perder o juízo.
André Soares caminhou direito à casa da viuvinha. Bateu palmas.
Nada.
Repetiu as palmas. A mesma coisa.
— Que será? Estará fora? pensou ele.
Enfim vieram ver quem era. André Soares disse que desejava falar à dona da casa.
— Está incomodada.
— Mas... diga-lhe que sou eu.
— Não recebe ninguém.
André Soares saiu dali ainda mais furioso. Mil idéias negras lhe transtornavam o espírito;
só via diante de si mortes, sangue, cadafalso.
Ao chegar à casa achou duas cartas. Uma era de Cláudia.
Dizia assim:
“Nunca chegamos a nenhum acordo acerca de casamento; mas, sabendo que nutre idéias a esse espeito, declaro-lhe que desista delas.
— Despedido! exclamava o mísero André Soares. Despedido como um lacaio!... Insultado por ele e por ela. Oh! minha sina! Oh! minha triste sina!
Assim falando, o infeliz namorado torcia-se todo, puxava os cabelos, rangia os dentes, e chorava de dor, de desespero e de ódio.
No meio dessa crise, lembrou-lhe o criado que ainda havia outra carta. Abriu-a.
Era do chefe da repartição.
Participava-lhe que, não comparecendo ele com a assiduidade de costume, antes fugindo absolutamente do trabalho, resolvera o ministro demiti-lo.
André Soares caiu sem sentidos no chão.
Um mês depois, estando a almoçar pacificamente no Carceller, graças ao crédito que obtivera de um amigo e antigo companheiro de casa, viu passar Horácio e a viúva de braço dado.
Estavam casados.
— Miseráveis! grunhiu André Soares.
MORALIDADE
Mas onde está a moralidade do conto? pergunta a leitora espantada com ver esta série de acontecimentos descosidos e vulgares.
A moralidade está nisso.
Tendo perdido a esperança de obter um emprego de duzentos mil-réis, quando apenas desfrutava um de cento e vinte, assentou André Soares de dar cabo da vida.
No dia, porém, em que perdeu a noiva e o emprego de cento e vinte mil-réis, com um insulto físico de quebra, não se matou, nem tentou matar-se, nem se lembrou de o fazer. Tanto é certo que o suicídio depende mais das impressões e disposições do momento, que da gravidade do mal.
Disse.
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