André Soares teve ímpeto de cair aos pés da moça e ir dali com ela para a igreja. Conteve-se do primeiro movimento.
O segundo era impossível.
— O que me acaba de dizer é a expressão elevada e nobre de seu coração, disse ele. Eu, porém, não tenho o direito de falar a mesma linguagem; a sociedade exige mais de mim. Peço-lhe só alguns dias de espera.
André Soares pedira efetivamente um novo emprego, e desta vez se não havia mais probabilidade que da outra, havia mais esperanças no fácil espírito do pretendente. Justino soube, pela irmã, das razões dadas por André Soares, e achou que eram de cavalheiro.
— É um rapaz muito simpático, disse Justino; é um homem como há poucos.
Esta opinião de Justino não devia produzir impressão no ânimo de Cláudia, porque ele não tinha outra a respeito de todos os pretendentes da irmã.
Todavia entusiasmou-a. E a razão é clara.
Cláudia gostava realmente do rapaz; e o seu coração não se lembrava ou não reparava na opinião uniforme de Justino a respeito de outras pessoas que a pretendessem mas a quem ela nunca dera atenção.
Justino, porém, insistiu na opinião que formara de André Soares, e tão cavalheiro o achou que não teve dúvida de lhe pedir vinte mil-réis no dia seguinte.
Não era a primeira vez que Justino recorria à bolsa de André Soares, e porque isso, e outras necessidades que agora lhe acresciam, aumentavam as despesas de André Soares, ia este sendo obrigado a recorrer à bolsa de outros, e a criar assim uma dívida externa assaz vasta.
E tão triste é esta situação que eu não tenho ânimo de continuar o capítulo. Veremos no capítulo seguinte o que aconteceu ao nosso herói.
IV
São passados cinco meses depois da conversa em que André Soares expôs à sua amada qual era a situação de sua vida e quais os seus projetos.
Os dias foram passando sem vir o emprego; André Soares passava já uma vida assaz triste e lastimosa. A moça por sua parte, conquanto desejasse repetir-lhe o que uma vez lhe dissera, não se atrevia a fazê-lo a fim de conservar a reserva que a sua posição lhe impunha.
Redobrava entretanto de carinhos e afeto com o mísero namorado, o que de algum modo lhe suavizava as penas do coração.
— Que anjo! dizia ele todas as noites ao retirar-se para casa. Que anjo!
Se o emprego não vinha, em compensação chegavam as dívidas, e o passivo de André Soares ia tomando um aspecto assustador.
Ao mesmo tempo o amor do pobre rapaz, se era possível, crescia mais, o que estava longe de ser um lenitivo naquela situação. A idéia de não poder casar com a bela viúva, ou de casar nas condições em que ele se achava, atormentava o espírito do pobre moço.
Imagine-se o que sofreria o coração do pobre rapaz e calcule-se em que circunstâncias, e com que cara ouviu ele um dia, ao passar pela padaria de que falei no segundo capítulo, as seguintes palavras do caixeiro a um vizinho:
— Este é uma das duas amarras da viuvinha.
André ficou sem pinga de sangue. Naturalmente ia voltar o rosto, mas a tempo deteve o movimento e continuou a andar até entrar na casa da viúva Cláudia.
Parou, entretanto, no corredor antes de subir as escadas. E refletiu:
— Que será aquilo? Iludir-me-á esta mulher? Serei eu a fábula da rua? Terei eu um rival mais venturoso?
Estas e outras interrogações fê-las o nosso herói com o desespero na alma e no rosto. Sentiu depois uma dor aguda no peito e teve uma vertigem.
O desgraçado padecia deveras, amava deveras. Enfim subiu.
Cláudia recebeu-o com o modo do costume, o qual modo havia já vinte dias que não era o mesmo modo anterior. O mísero namorado, entretanto, não dera por isso até então. Naquele dia, porém, como já tinha a pulga atrás da orelha, notou uma grande diferença, irritou-se com ela, disse algumas palavras secas à moça e saiu. Calcula-se facilmente qual seria a noite do pobre rapaz. No dia seguinte enviou uma lacrimosa epístola à sua dama, dizendo-lhe:
Cláudia:
Uma terrível revelação, me foi feita ontem. Ainda assim quero crer em ti. Preciso, porém, que me jures se realmente me amas ou se eu já não mereço da tua parte o afeto com que me honraste outrora.
Dois dias esperou a resposta desta carta. No terceiro apareceu-lhe em casa Justino. Vinha alegre. Trocaram algumas palavras banais, e enfim:
— Sei que você escreveu um carta a minha mana, disse o irmão da viúva.
— É verdade.
— Cláudia riu-se quando a leu.
— Riu-se?
— É verdade: riu-se. E não devia fazer outra coisa... Dá cá um charuto... Não devia fazer outra coisa, porque no ponto em que se acham as coisas entre ambos, exigir agora uma explicação daquela ordem.... é singular.
Justino concluía estas palavras e recebia das mãos de André Soares o charuto que pedira.
André Soares não cabia em si de contente.
— Então, ela?
— Você é um visionário, um crédulo, um rapazola sem juízo. Pois então uma senhora em vésperas de casar com você... Que bom charuto!
— Leve mais estes.
— Obrigado. Como ia dizendo uma senhora em vésperas de casar por livre vontade, há de lá...
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