O mísero namorado, entretanto, não dera por isso até então. Naquele dia, porém, como já tinha a pulga atrás da orelha, notou uma grande diferença, irritou-se com ela, disse algumas palavras secas à moça e saiu. Calcula-se facilmente qual seria a noite do pobre rapaz. No dia seguinte enviou uma lacrimosa epístola à sua dama, dizendo-lhe:
Cláudia:
Uma terrível revelação, me foi feita ontem. Ainda assim quero crer em ti. Preciso, porém, que me jures se realmente me amas ou se eu já não mereço da tua parte o afeto com que me honraste outrora.
Dois dias esperou a resposta desta carta. No terceiro apareceu-lhe em casa Justino. Vinha alegre. Trocaram algumas palavras banais, e enfim:
— Sei que você escreveu um carta a minha mana, disse o irmão da viúva.
— É verdade.
— Cláudia riu-se quando a leu.
— Riu-se?
— É verdade: riu-se. E não devia fazer outra coisa... Dá cá um charuto... Não devia fazer outra coisa, porque no ponto em que se acham as coisas entre ambos, exigir agora uma explicação daquela ordem.... é singular.
Justino concluía estas palavras e recebia das mãos de André Soares o charuto que pedira.
André Soares não cabia em si de contente.
— Então, ela?
— Você é um visionário, um crédulo, um rapazola sem juízo. Pois então uma senhora em vésperas de casar com você... Que bom charuto!
— Leve mais estes.
— Obrigado. Como ia dizendo uma senhora em vésperas de casar por livre vontade, há de lá... Você é um doido!...
André Soares concordou facilmente com tudo o que lhe dizia Justino, e prometeu que nessa mesma noite iá iria à casa deles. Recusou, entretanto, dizer de onde lhe viera a revelação a que aludira na carta.
Justino conversou largo tempo com o futuro cunhado, de quem se despediu para ir embora.
— Já!
— Já! Vou pagar uma dívida. Vejamos se me chega o dinheiro.
E meteu a mão no bolso do paletó com a confiança de um homem que traz a carteira. Errada confiança, porque a carteira ficara em casa.
— Não seja essa dúvida, disse André Soares; eu empresto-lhe o que for preciso, se não orçar por muito!
— Trinta e cinco mil e quinhentos, disse Justino.
— Tome lá, acudiu André Soares entregando-lhe trinta e dois mil-réis. Não tenho mais.
— Não faz mal. Para tapar a boca ao credor, cuido que é bastante.
Justino saiu alegremente depois de muitas amabilidades ao futuro cunhado que não menos alegre ficou.
A cena que precede deve ter explicação.
Cláudia não mostrou a carta de André Soares ao irmão. Viu-a este sobre uma mesa, perguntou à viúva o que era, e esta disse então um tanto zangada que eram ciúmes do noivo.
— Posso ler?
— Lê.
Leu a carta Justino e ofereceu-se para ir entender-se com André Soares, coisa que a viúva nem aprovou nem reprovou; limitou-se a encolher os ombros.
André não era homem que descobrisse na missão de Justino a necessidade de trinta e cinco mil-réis, e a dívida, que podia existir, mas que, em todo caso, não ia ser paga pareceu-lhe tão autêntica, que ia ser paga pareceu-lhe tão autêntica, que iria pedir emprestado se não tivesse dinheiro, para favorecer o amigo.
Ao Chegar à casa da noiva ia André Soares todo trêmulo de comoção. A moça, entretanto, pareceu-lhe ainda mais fria que da última vez.
— Mas então não perdoa? perguntou ele.
Atribuiu isso ao ressentimento que lhe deixara a carta.
— O quê?
— A carta.
Cláudia levantou os ombros.
— Foi uma imprudência, confesso, disse ele; mas que quer? Eu amo-a. Nada. [1]
— Aproveito a ocasião para lhe dizer que daqui a um mês será o nosso casamento, disse André Soares, se acaso a ele se não opõe.
Cláudia ficou um pouco surpreendida com a notícia, continuou entretanto a ficar calada. André Soares saiu vendendo azeite às canadas.
— Há alguma coisa, por força, pensava ele, mas eu hei de descobrir tudo!
V
André Soares começou então uma vida de pesquisas e de cuidados, cuidados e pesquisas tais que o obrigaram a ir faltando à repartição, faltando-lhe igualmente a paz e o sono. Fazia ronda de tarde e de noite, passava horas e horas em casa da noiva sem todavia alcançar nada.
Uma vez apenas reparou que, ouvindo bater cinco horas, a moça interrompera a conversa para ir à janela. Ficou aflito na cadeira em que se achava, receoso e desejoso de ir também àquela. Afinal foi, mas não viu nada, porque a moça saiu logo.
Nesta atribulada vida andava André Soares, quando, num domingo, entrando em casa de Cláudia, deu com os olhos num sujeito da sua mesma idade, alto, bonito, vestido regularmente e muito respeitoso para com a interessante viúva.
Justino apresentou os dois estranhos um ao outro, donde veio André Soares a saber que o outro chamava-se Horácio.
Eu creio que a leitora é perspicaz e que já está a desconfiar de que este Horácio é o mesmo moço que o caixeiro da padaria dissera a André Soares ter andado há algum tempo a namorar a viúva, e não ser mal aceito dela.
Não o soube logo André Soares; mas a simples presença de um estranho, as maneiras com que tratava a moça, e a benevolência e gosto com que esta o ouvia e lhe respondia, tudo isso era razão para que o pobre namorado recebesse logo um imenso golpe.
As torturas por que passou nessa tarde foram indescritíveis.
No dia seguinte ainda foi pior.
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