Oito dias depois tinha André Soares toda a certeza de que a bela passara com armas e bagagens ao campo inimigo.

Algumas coisas fortes lhe disse, a que ela respondeu com o silêncio; foi para casa e escreveu uma longa, indignada, lacrimejada e fulminante carta, a que a moça não respondeu.

Seu desespero já não tinha limites.

— Por que fatal acaso encontrei eu aquela mulher? perguntava ele a passear sozinho na sua sala. Parecia então que nada pior me podia acontecer. Erro! Havia pior; essa víbora que zombou de mim.

E logo:

— Mas eu hei de tirar vingança! Não se dirá que fui ludibriado por ambos ou antes por todos três, porque o Justino também contribuiu para iludir-me. Venha ainda alguma vez pedir-me alguma coisa...

Aqui claudicava a perspicácia do namorado.

Justino nada mais lhe pedira desde o dia dos trinta e dois mil-réis.

Era então a carteira de Horácio que se incumbira de corrigir as lacunas que às vezes havia na sua. Justino o mais que fazia era pedir uma ou outra vez algum charuto ao André Soares. Nada mais.

André Soares entendeu que lhe cumpria pedir satisfações a Horácio. Refletiu depois e preferiu ocultar o que entre ele e ela havia; não dispensou, porém, brigar com o rival. Para isto bastava um pretexto.

Mas que pretexto seria?

— Ora, adeus! pensou ele consigo. A ocasião me dará o pretexto.

Logo no dia seguinte entrando numa casa de charutos, encontrou Horácio, a quem ligeiramente cumprimentou.

Horácio pareceu não fazer caso dele. André Soares foi às nuvens.

Depois de um silêncio:

— Vai hoje à Rua dos Inválidos?

— Sim, senhor, respondeu secamente Horácio.

— Há muito tempo já que conhece aquela família?

Horácio olhou para ele sem dignar-se responder.

— Não me ouviu, creio eu.

— Estou a recordar-me do tempo, disse Horácio depois de alguns instantes. Creio que conheço aquela família desde o tempo em que a casa não era freqüentada por tolos. André Soares ficou vermelho como um lacre; todavia era preciso responder.

— Então não há muito tempo, disse ele; creio que entraram juntos lá os tolos e o senhor. Horácio foi sacudido com esta resposta. As palavras trocadas em voz alta chamaram a atenção do dono da casa. A tragédia estava iminente.

Horácio tinha dois caminhos. O primeiro era ir-se embora.

O segundo era ir-lhe às orelhas. Preferiu o segundo.

Encaminhou-se para André Soares; alçou delicadamente as mãos às orelhas dele; agarrou-lhas, sacudiu-lhe a cabeça e, antes que o infeliz tivesse tempo de se defender, saiu pela porta fora.

André Soares ainda saiu à rua, mas fosse medo, vergonha, ou qualquer outra causa, não se atreveu a ir brigar com ele em público; limitou-se a tomar os nomes do dono da casa e do caixeiro para o caso de dar queixa contra o agressor, e saiu dali para casa.

Em caminho, porém, teve idéia de ir à casa da viúva.

— É claro que eles se amam, pensou ele; mas eu preciso antes de abater as armas mostrar o que sou e o que valho. Hei de dizer a essa pérfida aquilo que ela não pensa ouvir.

Estava André Soares em plena regateirice; nem eu o dou por freqüentador de salões aristocráticos. Demais, o amor faz perder o juízo.

André Soares caminhou direito à casa da viuvinha. Bateu palmas.

Nada.

Repetiu as palmas. A mesma coisa.

— Que será? Estará fora? pensou ele.

Enfim vieram ver quem era. André Soares disse que desejava falar à dona da casa.

— Está incomodada.

— Mas... diga-lhe que sou eu.

— Não recebe ninguém.

André Soares saiu dali ainda mais furioso. Mil idéias negras lhe transtornavam o espírito;

só via diante de si mortes, sangue, cadafalso.

Ao chegar à casa achou duas cartas. Uma era de Cláudia.

Dizia assim:

“Nunca chegamos a nenhum acordo acerca de casamento; mas, sabendo que nutre idéias a esse espeito, declaro-lhe que desista delas.

— Despedido! exclamava o mísero André Soares. Despedido como um lacaio!... Insultado por ele e por ela. Oh! minha sina! Oh! minha triste sina!

Assim falando, o infeliz namorado torcia-se todo, puxava os cabelos, rangia os dentes, e chorava de dor, de desespero e de ódio.

No meio dessa crise, lembrou-lhe o criado que ainda havia outra carta. Abriu-a.

Era do chefe da repartição.

Participava-lhe que, não comparecendo ele com a assiduidade de costume, antes fugindo absolutamente do trabalho, resolvera o ministro demiti-lo.

André Soares caiu sem sentidos no chão.

Um mês depois, estando a almoçar pacificamente no Carceller, graças ao crédito que obtivera de um amigo e antigo companheiro de casa, viu passar Horácio e a viúva de braço dado.

Estavam casados.

— Miseráveis! grunhiu André Soares.


MORALIDADE


Mas onde está a moralidade do conto? pergunta a leitora espantada com ver esta série de acontecimentos descosidos e vulgares.

A moralidade está nisso.

Tendo perdido a esperança de obter um emprego de duzentos mil-réis, quando apenas desfrutava um de cento e vinte, assentou André Soares de dar cabo da vida.

No dia, porém, em que perdeu a noiva e o emprego de cento e vinte mil-réis, com um insulto físico de quebra, não se matou, nem tentou matar-se, nem se lembrou de o fazer. Tanto é certo que o suicídio depende mais das impressões e disposições do momento, que da gravidade do mal.

Disse.

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