Lemos, que não me fale mais nisso. Dona Idalina possui qualidades morais que tudo compensam.
- Então o amigo fecha os olhos àquele defeito?
- Já lhe disse que sim.
- Bom; nesse caso, vou chamá-la.
E erguendo a voz:
- Idalina?
- Papai? - respondeu lá de dentro uma voz argentina e sonora que soou aos ouvidos de Borges como um hino de amor.
- Vem cá, minha filha!
Não se ouviram passos, mas um toc, toc, toc, toc, que intrigou seriamente o namorado, e quando Idalina, radiante de beleza, entrou na sala, ele verificou, à primeira vista, que a moça tinha uma perna de pau!
Foi tal o espanto do pobre rapaz, que todos adivinharam logo que ele ignorava aquela ausência de perna. Idalina caiu sentada numa cadeira, cobrindo o rosto com as mãos, debulhada em pranto.
- Pois o senhor não disse que conhecia o obstáculo? - perguntou o vidraceiro.
- Eu referia-me à mãe de D.Idalina...
- Ora, meu caro, isso jamais seria um obstáculo, porque ela é o contrário do que foi aquela infeliz mulher; é uma pérola, que saiu do lodo, como todas as pérolas.
Mas o Borges estava dominado pela beleza de Idalina, e as lágrimas da moça acabaram de subjugá-lo. Ele ergueu-se e, num generoso ímpeto de amor, correu para ela, ajoelhou-se aos seus pés - quero dizer: ao seu pé - tomou-lhe as mãos ambas, e beijou-as dizendo:
- Que me importa que tenhas uma perna de pau, se tens um coração de ouro?
- Ora, ainda bem! - exclamou o velho. - Case-se, e creia que leva uma mulher completa, apesar de lhe faltar uma perna!
Casaram-se e foram muito felizes. O pai tinha razão.
O Borges, para consolar-se do aleijão da esposa, muitas vezes dizia aos seus botões:
- Idalina talvez não fosse tão boa, tão carinhosa, tão submissa, tão fiel, se tivesse ambas as pernas...
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