O delfim e a rainha se recolheram; todo prazer foi suspenso. Fiquei farto desse estado de coisas, e meu coração ansiava pelos abrigos de minha meninice. Eu era praticamente um mendigo, ainda assim iria lá reclamar minha noiva e reconstruir minha fortuna. Alguns negócios oportunos como mercador me tornariam rico novamente. Contudo, eu não voltaria num humilde disfarce. Meu último ato foi alienar a propriedade que me restava, perto de Albaro, por metade de seu valor, para obter dinheiro de imediato. Então despachei todo tipo de artesão, tapeçarias, mobília de régio esplendor, para suprir a última relíquia de minha herança, o meu palácio em Gênova. Entretanto, me demorei mais um pouco, envergonhado de desempenhar o papel da volta do pródigo, que eu temia que fosse interpretar. Enviei meus cavalos. Despachei para minha prometida um incomparável ginete espanhol; seus jaezes reluziam com joias e tecido dourado. Em cada parte, mandei entrelaçar as iniciais de Juliet e Guido. Meu presente encontrou favorecimento nos olhos dela e de seu pai.
Todavia, voltar e ser proclamado um esbanjador, o símbolo do impertinente prodígio, talvez alvo de zombaria, e enfrentar separadamente a exprobração ou o escárnio de meus concidadãos não era uma perspectiva atraente. Como um escudo entre mim e a censura, convidei alguns dos mais displicentes dos meus companheiros para me acompanhar: assim, fui armado contra o mundo, escondendo um sentimento ressentido, metade medo e metade penitência, pela bravata e uma insolente demonstração de satisfeita vaidade.
Cheguei a Gênova. Percorri o chão de meu palácio ancestral. Meu orgulhoso caminhar não era um intérprete do meu coração, pois sentia profundamente que, embora cercado por todo o luxo, eu era um mendigo. O primeiro passo que dei, ao reclamar Juliet, deve ter me anunciado abertamente como tal. Li desprezo ou piedade no olhar de todos. Imaginei, tão apta é a consciência para imaginar o que ela merece, que ricos e pobres, jovens e velhos, todos me olharam com menosprezo. Torella nem se aproximou de mim. Não admirava que meu segundo pai devesse esperar de minha parte uma deferência de filho em visitá-lo primeiro. Mas, irritado e aguilhoado pelo conhecimento de minha insensatez e de meu demérito, eu tentava jogar a culpa nos outros.
Continuamos a manter orgias noturnas no palácio Carega. Às noites insones, descomedidas, seguiam-se manhãs lânguidas, indolentes. À hora da ave-maria, mostrávamos nossas graciosas imagens nas ruas, zombando dos cidadãos sóbrios, lançando olhares insolentes às mulheres retraídas. Juliet não estava entre elas – não, não; caso estivesse, a vergonha teria me expulsado para longe, se o amor não me fizesse ajoelhar a seus pés.
Cansei-me daquilo. Subitamente, fiz uma visita ao marquês. Ele estava em sua villa, uma entre as muitas que embelezavam o subúrbio de San Pietro d’Arena. Era maio – um mês de maio naquele jardim do mundo onde as florescências das árvores frutíferas desapareciam em meio à densa folhagem verde, as videiras se projetavam à frente, as flores caídas das oliveiras esparramavam-se no solo, os vaga-lumes estavam na sebe de murta, céu e terra vestiam um manto de insuperável beleza. Torella me recebeu amavelmente, embora sério; e até mesmo sua aura de desprazer logo se desfez. Alguma semelhança com meu pai – um certo olhar e o tom de jovem ingenuidade ainda ocultando-se, a despeito de meus descaminhos, amoleceram o coração do velho homem. Ele mandou chamar a filha e me apresentou a ela como seu noivo.
Quando ela entrou, o aposento tornou-se santificado por uma luz sagrada.
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